novembro 24, 2002

Nossa, já tem mais de mês que não escrevo nadica de nada. Quer dizer, médio. Escrevo todos os dias, mas isso é dever de ofício. E não se pode dizer que nada aconteceu nesse tempo que não merecesse registro. Claro que aconteceu. Mas passou e eu, sinceramente, não consigo lembrar agora. Lembro que em duas ou três ocasiões pensei 'isso é uma boa para o meu blog', mas não consigo lembrar do que se tratava. Passou, já era.

Mas pra não perder a prática, vamos de novo. Se não, perco meu espacinho e aí, como fico? Acho que já citei isso antes, mas na minha idade a gente pode. Qualquer coisa, a gente explica que, depois de uma certa idade, esquecer é normal. Mas estava querendo lembrar o que o Quino colocou na boca da Mafalda, numa das tiras: "o urgente nunca deixa tempo para o necessário". É verdade. As urgências urgem e requerem soluções urgentes. O necessário pode ficar pra depois, mesmo porque, depois da urgência, pode ser que nem seja mais necessário.

Com isso tudo, quero dizer que não tive muito tempo. Mentira. Tempo, quando a gente quer de verdade, a gente arruma. Faltou vontade? Também não. Mas deu uma preguiça... É verdade, apesar de adorar escrever, de vez em quando dá uma preguiça danada, principalmente depois de um dia daqueles, cheio de trampo, pesado. É verdade, podia ser antes do trabalho, mas aí não tem graça. A graça está em encher lingüiça em cima de alguma coisa que tenha chamado a atenção no trabalho.

Da última vez, contei do roubo. E, vejam que maravilha, os garotos jogaram o que não lhes interessava num quintal, cuja proprietária entrou em contato comigo e me devolveu o que me pertencia. Aí fiquei cismando por um tempo sobre as coisas que não voltaram. Voltou a bolsinha - maravilha!!! -, aquele item que, como já contei, é bem carinha e da qual gosto muito. Veio sujinha, mas já foi lavada e está de volta à gaveta, esperando uma próxima viagem. Vieram os documentos: a identidade, o CIC, todos os cartões de crédito, o talão de chequespor sinal, tudo já tinha sido cancelado, mas tudo bem. A carteirinha de cigarro, vazia. Poxa, até o isqueiro Bic interessava pra eles? Que gente muquirana...

Bom, aí começa o mistério. Dentro da carteira de cigarro haviam vários números de telefone, cartões de visita de gente que me interessa ter o número sempre à mão. Sumiu tudo. Mas voltou a carteirinha de telefones, onde vários (não todos) desses números estão anotados. Sumiu também um lencinho especial, que serve para limpar óculos sem riscar as lentes, que comprei no Guggenheim de Nova York. Era utilíssimo pra mim. Pra eles, não sei. Será que eles sabem pra que servia? Mas, curiosamente, a embalagem plástica do lencinho voltou.

Tem coisas que eu não tinha a menor dúvida de que nunca mais iria ver. Minha lanterninha era uma delas. De fato, não veio. Deve servir pra examinar algum interior de casa, sem chamar a atenção de quem passa na rua. A carteira de dinheiro podia ter voltado, mesmo sem dinheiro nenhum. Mas não veio. A caneta Montblanc, se viesse, seria a prova de que eram mesmo pés de chinelo. Mas sumiu também uma Bic, daquelas fuleiras, cristal, de tinta azul, usada pela metade.

Fiquei me perguntando que uso esses meninos teriam de algumas coisas. Até montei uma historinha na cabeça. E, olhe, muito particularmente posso contar que fiquei profundamente ofendida de eles terem devolvido a carteira de cigarros, aquela finamente bordada à mão, por mim mesma, em ponto cruz. Quer dizer que ninguém se interessou por ela? Que desfeita! Há algum tempo, numa festa, uma carteirinha de cigarros semelhante me foi furtada. Fiquei chateada, claro, mas ao mesmo tempo interpretei como uma homenagem. Alguém a achou tão bonita que até se arriscou a levá-la, no meio de uma festa, sob o risco de ser visto e denunciado. Agora me devolvem. Será que não apreciaram? Prefiro pensar que são tão tacanhos que são incapazes de reconhecer uma obra de arte. É isso.

Mas a grande novidade mesmo está por vir e acho que é um pouco por isso que não está tendo graça escrever. Meu neto, o pequeno Caleu (argh!). De qualquer forma, se serve de consolo, uma amiga fez uma extensa pesquisa a respeito e descobriu que pode ser o correspondente, em grego de "aquele que ouve o chamado de Deus". Então, está explicado, tem fundo religioso mesmo. Duro vai ser explicar isso pro garoto quando ele for pequenino ainda. Mais tarde, é bobagem. Ele nem vai ligar mais... Mas Caleu ainda não veio, mas deve chegar logo. Aí, sim, vou ter um monte de coisas para contar.

Por enquanto, é tudo firula...

outubro 20, 2002

Aí, de repente, do nada, aparecem três garotos de bicicleta. Quer dizer, eu acho que eram garotos, mas se cruzar com algum deles, em alguma circunstância, não vou poder reconhecê-los. "Passa a bolsa, se não eu atiro", dizia um, com a mão escondida pela camiseta branca, enquanto o outro já puxava a bolsa que eu levava a tiracolo. Ainda tentei segurar a bolsa, mas o garoto puxou e saiu pedalando feito louco. Ele já estava bem longe quando consegui recuperar a voz e gritar "deixe os documentos, pelo menos"... Que ridícula... E não havia ninguém por perto, não passou nenhum carro no momento, nada. Eles vieram, pegaram a bolsa e sumiram.

Assim me tornei mais uma vítima de roubo no Guarujá. Esquina da avenida Miguel Stefano com rua Assis Chateaubriand, bem na frente de uma casa monumental que lembra uma nave espacial pousada à beira da praia da Enseada. Comentava mesmo com uma das amigas que estava comigo – estávamos em três, todas respeitáveis senhoras passando um fim de semana de descanso à beira-mar – que aquela casa me serviu de referência uma época em que fui com as então crianças passar férias no Guarujá. Acordava cedinho e saía para caminhar na praia. Ia até a altura daquela casa e voltava, passava pela padaria, comprava pão fresquinho, leite, se necessário, e, quando chegava de volta ao apartamento, preparava o café da manhã da turma...

Se alguém me perguntar para onde eles foram, só posso responder por aquele que levou minha bolsa. Ele se enfiou pela Assis Chateaubriand, que faz uma curva no meio de um monte de arbustos que nem sei se é mato ou jardim de alguma casa. Os outros, nem vi. O susto foi tão grande que só depois de uns minutos lembrei que na bolsa estavam meus documentos, dinheiro (minha carteira espanhola, tão prática e bonitinha....), minha caneta Mont Blanc da qual tinha tanto orgulho, minha cigarreira caprichosamente bordada em ponto-cruz que continha, além de cigarros, um monte de telefones úteis, minha lanterninha de bolsa, um luxo, presente da Microsoft em algum evento do qual não participei, mas que já havia me quebrado inúmeros galhos, minha bolsinha da Kipling, tão bonitinha e prática, que custou caro pra caramba e, mais importante naquele momento, as chaves do apartamento onde estávamos hospedadas.

Caminhando de volta para o apartamento e rezando para que o zelador tivesse uma outra cópia (a que os ladrões levaram era a cópia que estava com ele, porque a proprietária do apartamento nos havia dado a instrução de pegar as chaves de reserva que ficam com o zelador), vi um orelhão e liguei para o bom e velho 190.

Contei todo o caso para o policial, que foi muito atencioso e me deu todas as instruções. E foi muito claro: antes de ir à delegacia fazer o tal boletim de ocorrência que comprovaria que os documentos tinham sido roubados, era bom cancelar cartões e cheques. Avisou que ia passar um rádio para as viaturas que estavam fazendo as rondas e era tudo o que ele podia fazer naquele momento – e aí perdi as esperanças de reaver qualquer coisa que estivesse dentro da bolsa. Pelos misteriosos desígnios da Lei de Murphy, as rondas policiais nunca estão na área onde acontecem as ocorrências. Por isso é que quando aparece uma viatura que impede alguma coisa, isso vira notícia de jornal.

Entrar no apartamento foi outra novela. O zelador não tinha outra chave. Toca a procurar um chaveiro que, por sorte, morava na rua de cima. Mas, claro, não dava a menor impressão de querer trabalhar. Estava num bar, fazendo sabe-se lá o que. Uma das amigas gastou todo o arsenal que tinha de conversa para convencê-lo que tinha de ir logo ao apartamento. Foi com a maior das más vontades, a passos de tartaruga, pegar as ferramentas. Mas em cerca de 20 minutos conseguiu abrir a porta (foi no meio dessa operação que descobri que ele só poderia mesmo ser chaveiro porque o barulho que ele fez para abrir a porta tirava qualquer credencial que ele pudesse ter como arrombador).

Aí começa outra novela, a de cancelar cartões de banco e de crédito. Claro que eu não tinha nenhum número, nem de telefone nem do cartão. Liguei para casa e, por sorte, um filho estava por aqui. Graças a Deus! Peguei os dados com ele e comecei a ligar. Graças a Deus, também, tinha deixado o celular no apartamento, desligado, e ele estava com toda a bateria. Esta outra operação levou quase uma hora. E toca pra delegacia...

Resumo da ópera: o roubo – é bom que se use o termo correto. Não foi furto, nem assalto. Furto é quando alguém lhe tira alguma coisa sem que você esteja presente. Por exemplo, quando lhe quebram o vidro do carro para levar seu toca-fitas; assalto é quando o elemento utiliza arma para ameaçar. Roubo é quando existe ameaça de agressão – tinha acontecido por volta de 20h00. Às 23h30, estávamos de volta ao apartamento, com dois novos jogos de chaves e a fechadura arrumada, boletim de ocorrência no bolso e todo o tempo pra ter chiliques.

Não teve chilique. Concordamos num ponto: não tínhamos mesmo de aposta pra saber se o garoto estava armado ou não. Mas me deu uma profunda tristeza, que ainda está por aí. É horrível se sentir ameaçada, é horrível ser vítima de violência, é horrível ver levarem coisas pelas quais você tem carinho, é horrível saber que isso acontece todos os dias e ninguém faz nada ou porque não consegue ou porque não quer, não interessa. De onde saem esses meninos? Por que fazem isso? Que tipo de realidade eles vivem?

Alguém nos disse que são viciados e que se interessam só pelo dinheiro que podem conseguir. O resto vai parar no meio de algum matagal, vai para algum riozinho ou até para o mar. Ninguém nunca mais vê. Outro disse que isso vem acontecendo direto no Guarujá, mas que em Santos é ainda pior. Pior? Pimenta nos olhos dos outros é colírio...

De minha parte, roguei um monte de pragas para o garoto que levou a bolsa. Se se realizarem, ele deve estar em alguma cama com o braço quebrado e a cara toda machucada com o tombo que levou da bicicleta. E vai ter seqüelas. O braço nunca mais vai funcionar direito, nunca mais ele vai ser capaz de se equilibrar em cima de uma bicicleta. Não desejei que morresse. No caminho em que ele está, isso vai acontecer bem depressa, em algum tiroteio ou por causa das drogas mesmo.

Agora, é encarar todos os transtornos do acontecido. Tirar outra via da carteira de identidade – e rápido –, pedir nova via do CIC. Cancelar os cheques, eram só três, mas se pode fazer uma festa com isso. E tocar a vida. Com mais medo agora, porque entrei para a categoria de vítima, que ainda não tinha sido. Quer dizer, fui roubada, não, furtada num trem, indo de Barcelona para Paris, mas isso não conta porque foi no exterior. Pensando bem, dizem que Sampa é perigosa, coisa e tal. Mas nunca fui furtada, roubada ou assaltada aqui. Conheço um monte de gente que já foi, até mais de uma vez. Mas eu mesma, pessoalmente, nunca fui.

Então, tenho dois casos pra contar, mas nenhum local. Acho que o melhor que faço é ficar por aqui mesmo. E deixar escrito em algum lugar, pra lembrar sempre: cuidado, viajar pode provocar palpitações, dores de barriga, tremedeiras e muitos transtornos. Fique em casa. E, que Deus me ajude, nunca mais lembrar disso tudo...

outubro 09, 2002

Mais um tempão sem colocar nada no ar. Mas aí foi mesmo cansaço. Naquela história de que o trabalho enobrece o homem, deviam ter deixado as mulheres de fora. A tese de uma amiga minha de que o trabalho feminino é invenção de um cara que estava procurando mão de obra barata e competente deve estar certa. O pior é a gente é tão burra que caiu nessa conversa de igualdade. Ou seja: espertas, pero no mucho, verdad? E ainda quer contar vantagem...

Foi uma semana bem punk, com o raio das eleições. Com muito desgaste, muita encheção de saco, muita discussão, muito calo pisado, muito sapo engolido. É sempre assim quando tem um evento que envolve gente de várias correntes de pensamento. O exercício da democracia cansa. O pior é que cada um faz a defesa do seu candidato em verdadeiros comícios privados e fica bravo se o outro não concorda. Que é do respeito ao pensamento alheio? Na verdade, acho que todo mundo pensa que o outro não pensa...

Mais grave, porém, é que daqui algum tempo, quando alguém já estiver eleito, todo mundo vai xingá-lo por algum bom motivo. Porque é impossível contentar gregos e troianos num país que tem ainda atenienses, tebanos, sírios, judeus, brancos, pretos, vermelhos, amarelos e outros menos votados. Quem tem dois dedos de inteligência sabe que vai sobrar pra boa e velha classe mérdia – nós. E aí, vai reclamar pra quem?

Agora a gente deve ter duas semanas de refresco. Aí começa tudo de novo, mas acaba em seguida. Graças a Deus. A estas alturas do campeonato, quero que tudo acabe em pizza porque não aguento mais. Dá pra pedir uma kaiser antes? De qualquer forma, já estamos no talo, uns mais, outros menos, mas todos em torno de.

E aí é que a coisa começa a ficar perigosa porque o cansaço não deixa o bom senso entrar em ação com a presteza de costume. A cabeça pára, mas a língua continua – e sai de baixo! É tempo de os ouvidos virarem penico, literalmente, porque a quantidade de merda que nos é imposta obriga todos a ter um esquema de descarga rápida e eficiente, sob pena de entupir e se afogar na bosta. Com o perdão das más palavras, a escatologia às vezes é a melhor forma de descrever alguma coisa...

Melhor coisa é se aliviar jogando Tetris, vendo as séries na TV e lendo coisas que enchem os olhos e esvaziam a cabeça. Já liquidei com o segundo Artemis Fowl (incrível como esse menino faz força pra ser ruim!) e com a Identidade Bourne (estou pronta pra criticar o filme, quando chegar por aqui). Agora estou atacando os irmãos Baudelaire, a série dos irmãos mais infelizes do mundo. Afinal, preciso de insumos pra quando Caleu chegar. Não pretendo contar só a história da Branca de Neve pra ele, não. Tem de ter muito mais...

Coitado do moleque, nem nasceu e já está condenado a ser intelectual. Só falta ser chato...

outubro 02, 2002

Aí foi. Um longo dia, no qual bati perna feito louca e agora estou exausta. Mas foi bom. Amanhã – ou melhor, hoje – começa tudo de novo, a rotina de volta, com tudo o que tem direito. Mas deu pra dar uma descurtida da rotina e isso é bom. A gente precisa sair da roda viva, de vez em quando.

Nem sempre dá, isso é verdade. Deveria haver um mecanismo qualquer que permitisse às pessoas dar uma fugida de vez em quando, fazer alguma coisa diferente, só pra variar. Um adendo na CLT, pra garantir isso a todos os trabalhadores. Acho que ninguém propôs isso ainda – taí a sugestão, para todos os que estão se candidatando agora...

Quando eu era bem mais jovem e o centro da cidade era um lugar onde dava pra passear, costumava entrar na Catedral e ficar lá sentadinha por um tempo. Não rezava, não ia pra isso. Ia para sentir a calma, o clima de tranqüilidade que, acho, toda igreja deve transmitir. Já nem sei mais quantas vezes marquei encontro na escadaria da Catedral. Era ponto de referência mesmo.

Voltei lá hoje. A Catedral está remodelada, linda! Muito mais clara, mais iluminada, grandiosa. Não lembrava que era tão ampla, tão majestosa. Mas perdeu um pouco a atmosfera de recolhimento, que convidava a gente a sentar e saborear a calma. Bom, talvez o dia não tenha sido dos melhores, a igreja acabou de ser reaberta e muita gente está indo lá pra ver como ficou. Acho que tenho de voltar lá mais pra frente, depois que ela estiver incorporada na rotina do centrão. Aí vai dar, acho, pra sentir se se manteve aquele clima que devolvia serenidade às pessoas.

Mas fui espiar a escadaria, que continua lá, firme, devidamente decorada pelos pombos que agora até se atrevem a entrar lá dentro e sujar os bancos. E, pelo que percebi, continua como ponto de referência para encontros. Menos mal, pelo menos isso se manteve...

O centrão é que mudou muito. Dá medo. Ou será que eu é que criei esse medo? Volta aquela história de que, com a idade, os medos aparecem... Bom, mas na hora H, eu não fiquei lá pra ver se era fruto da idade ou se era de verdade mesmo. Fui mesmo é procurar a segurança e o sossego do shopping...

Agora estou bocejando tanto que daqui a pouco vai ser caso de fratura de mandíbula. Como não estou querendo isso – já imaginou ficar sem falar e ter de se alimentar via canudinho? – acho que vou mesmo dormir....

outubro 01, 2002

"Não adianta dizer ‘eu mudei!’. Mas mudou em que direção? Mudar é ter outra concepção na cabeça. Não é ser mais sorridente, näo se trajar melhor ou pior, não é ter cabeça mais agradável. É ser capaz de entender os desafios do mundo moderno"

Assim falou nosso presidente em Minas. Mas me permito acrescentar alguma coisa ao que disse o presidente. Pior do que dizer ‘eu mudei!’ sem demonstrar é dizer ‘eu sou assim, não posso fazer nada’, demonstrando nenhuma disposição de mudança. E, infelizmente, é isso o que a gente encara pelo mundo afora hoje em dia.

E, no entanto, a gente muda o tempo todo, sem perceber. Aquilo que somos hoje não é o mesmo que era ontem e não será o mesmo amanhã. Filosófico ou não, é isso o que acontece. Mesmo porque não dá pra ficar igual. A criança de um dia será um adolescente com muitas características iguais, mas não vai pensar igual, da mesma forma que o adulto não terá mais o pensamento adolescente. E mesmo o jovem adulto, quando mais velho, já não será o mesmo. A base é a mesma – determinados traços permanecem basicamente os mesmos. Mas se adaptam às condições e muitas vezes ficam escondidos lá no fundo porque não convém que sejam mostrados.

Acho que estou meio filosófica por causa do meu aniversário, que começa daqui a algumas horas. Decretei feriado para mim mesma e vou dedicar um dia inteiro à minha pessoa. Este ser que vos escreve vai tentar fazer algumas coisas diferentes. Mas vamos ver, primeiro, qual será a disposição na hora de acordar. De repente, vem aquela dor de barriga infame que transforma a gente em flor plantada no vaso o dia inteiro... Ou aquela virose que ninguém sabe de onde vem, mas vem... Ou, simplesmente, a boa e velha preguiça adia tudo para algum dia num futuro a ser determinado. Conhece o sine die? Pois é isso mesmo. Vamos ver.

Mas o que eu queria contar mesmo é que, na verdade, dia 1.º de outubro é o meu desaniversário. Quem leu Alice no País das Maravilhas sabe o que é isso. Desaniversário são todos os dias que não são de aniversário. Mas é quando eu comemoro meu aniversário. Essa história confusa tem uma explicação muito simples, fruto da confusão de uma senhora muito miudinha e pequenina que vem a ser minha mãe.

Pois foi assim: a dona Hatsue (acho que ninguém nunca chamou minha mãe assim, era dona Maria pra todo mundo, Fofinha pros netos e mamãe pra gente) compareceu perante o sr. escrivão do cartório da Bela Vista no dia 3 de novembro de 1950 e declarou que, em 1.º de novembro havia dado à luz uma rechonchuda garotinha – eu!!!

Se alguém prestou atenção ao ano, já percebeu que o escrivão era totalmente fora de órbita. Onde já se viu, naquele tempo, uma mulher parir uma criança e estar saracoteando, bela e formosa pelo mundo afora, apenas dois dias depois? Pois ele registrou a criança. Muito tempo depois, minha mãe explicou que tinha se enganado na data e que, na verdade, eu tinha nascido dia 1.º de outubro. E assim, por anos a fio, comemorei esta data como sendo a do meu aniversário.

Há poucos anos – uns 10, 12 -, uma amiga foi fazer um curso de mapa astral. Pegou todos os meus dados para treino e, como me conhece há muitos (muitos mesmo!!!) anos, não teria dificuldade em conferir efemérides (adoro esta palavra, acho chiquésima) de minha vida. Passados uns três meses, ela me ligou, muito preocupada. Os dados não batiam. Não havia perda registrada na época em que meu pai faleceu, não havia dado relevante nas datas de nascimento de meus filhos.

Dona Hatsue morava comigo, por sorte. Mamãe, quando foi que eu nasci? "Dia 1.º de outubro, já contei" Mas me conta como foi... "Eu comecei a sentir as dores no começo da noite e o vizinho, que tinha taxi, me levou pra maternidade. Você nasceu de madrugada".

De repente, veio a luz. Mãe, você foi pra maternidade na noite do dia 1.º ou na noite do dia 30 de setembro? "Na noite do dia 1.º, claro!"

Claro, nada. Só 40 anos depois minha mãe raciocinou um pouco e viu que era impossível eu ter nascido na madrugada do dia 1.º se ela foi pra maternidade na noite do dia 1.º. Então, claro, nasci no dia 2 de outubro.

No meio dessa confusão toda, resolvi que era melhor continuar comemorando no dia 1.º, como tinha feito ao longo de toda a vida. Em tempo: com a data de 2 de outubro, tudo se encaixou direitinho no mapa astral – e vem se encaixando desde então. Então, a comemoração ficou sendo do meu desaniversário, um período de festejos que se estende por 30 dias aproximadamente, até 1.º de novembro, data que consta em todos os meus documentos e é quando recebo aqueles cumprimentos polidos que médicos e dentistas enviam para a casa da gente.

E com essa história de nascimento, eu podia ser normal? Tinha que dar nisso...

Comecei na véspera, terminei no dia. Parabens pra mim!

setembro 26, 2002

Felicidade é olhar o saldo no banco pela internet e descobrir que o negativo está bem baixinho. Nem digo estar positivo, porque isso já é sonhar alto demais. Mas quando isso acontecer – juro – vou printar a página e colocar num quadro para lembrar como é.

Mas se isso é felicidade pra mim, para o tal vietnamita que foi encontrado perdido no mar felicidade é justamente poder velejar de um lado a outro do oceano. E essa felicidade ele perdeu, pelo menos por enquanto. O barquinho dele, um veleiro que não passava de oito metros, teve de ser afundado porque não tinha mais condições de navegação. Imagino a tristeza dele quando concordou em afundar o Sea Breeze. Mas homem do mar conhece as limitações e não insiste no perdido. Afundou, perdeu, mas cumpriu valorosamente o destino...

Essa história me impressionou muito e, mais uma vez, recolhi tudo o que encontrei nos telegramas internacionais. Richard van Pham, esse é o nome do vietnamita naturalizado americano, de 62 anos. Herói solitário, ficou vagando perdido no mar por mais de três meses. Morava no barco e tinha Long Beach como base. Saía vez ou outra para passeios longos. Um completo homem do mar, conforme a descrição do Josep Pla, de quem já falei antes.

Como todo lobo do mar, um sujeito solitário e calado. Não tinha família e a tripulação do barco que o recolheu não conseguiu saber o que fazia para viver antes de se refugiar nos Estados Unidos, em 1976. Ninguém deu pela falta dele, ninguém comunicou o desaparecimento. Em 26 anos de terras americanas, o velhinho não arrumou uma única alma que lhe fizesse companhia ou que pudesse sentir falta dele.

Claro que isso vai virar filme. Se bem que vai ser difícil fazer essa história render o tempo necessário para um longa metragem. Pelo menos, não com as informações divulgadas. Pode-se criar um passado para ele. Como é filme americano, ele pode virar um espião americano no Vietnã, procurado pela polícia do país dele, daí a necessidade de isolamento. Se foi para os EUA no final dos anos 70, certamente deve ter vivido a guerra. De que lado? Sabe-se lá... O velhinho não fala.

Nos telegramas todos que recolhi – cinco páginas impressas de texto em inglês e espanhol -, a maioria das aspas (é como a gente chama as declarações reproduzidas em texto) são do pessoal da fragata que o recolheu. Dele, uma ou duas frases. "Se você viaja pelo mar, pega o que ele lhe oferece. Se tem medo, morre".

"Não via nada. De repente, num dia, apareceu um avião. O piloto balançou as asas como uma saudação. Duas horas depois, apareceu um navio. Estou muito, muito feliz". Assim o vietnamita descreveu o próprio resgate. Declarou, também, amor às pessoas que o resgataram: "As pessoas daquele navio são como minha família. Eles me trataram como a um irmão".

E, pelo jeito, nada mais disse. Agora, voltou ao anonimato. Ninguém disse para onde ele foi levado, depois de dispensado pelo Serviço de Imigração. Acho que perguntaram a ele, mas ele não respondeu. Voltou ao isolamento e à solidão, certamente.

Mas porque cargas d'água uma pessoa faz questão de ficar sozinha?
Isso, pra mim, é um mistério. Por mais complicadas que sejam as relações humanas, não dá pra ficar sem ouvir outra voz, sem convresar, sem se relacionar. Sem ter alguém pra, de vez em quando, ouvir nossas lamentações e dividir as alegrias.

Que tipo de medo ou de desilusão faz alguém simplesmente desistir de ter amigos? O que pode acontecer com alguém para, simplesmente, desligar o social?

Não sei, não consigo imaginar. E rezo pra que isso nunca me aconteça...

setembro 25, 2002

Quem não sabe o que vai fazer quando ganhar na Mega-sena? Acho que todo mundo já se pegou imaginando como vai ser quando botar a mão numa bolada, coisa de uns dez milhões, mais ou menos. Acho que 100% das pessoas que conheço pensam em botar o pé na estrada e sair pelo mundo. Estrada, aqui, bem entendida mais como caminhos aéreos e marítimos do que propriamente de terra. Mesmo porque o mundo fica muito complicado pra ser visto de carro.

Corro o risco de não ser original. Eu também botava o pé no mundo. Mas, antes, deixava iniciado aqui o meu sonho de consumo. Ou melhor, o meu sonho de fazer os outros consumirem. Deixava alguém aqui construindo pra mim um shopping. Não um shopping comum, desses fechados, com abóbodas de vidro e vitrais grandiosos, nem com colunas gregas na entrada (cafona, sim, mas não vamos exagerar, né?).

Sabe o Ghirardelli, de San Francisco? Pois, mais ou menos assim. Aberto, com áreas ajardinadas e bancos em vários níveis. No centro, uma pracinha. Chiquitita, pero cumplidora. Alguns cafés com a filosofia dos cafés de Buenos Aires. Você vai, senta, pede um café ou seja lá o que quiser beber ou comer e fica lá o tempo que quiser, sem nenhum garçon imbecil lhe apresentando a conta e sugerindo que você dê lugar para outras pessoas. Claro, as mesinhas ficariam em alguns patamares estratégicos, debruçados sobre a praça. Uma livraria, aqui seria de bom tom. Afinal, é gostoso ler num lugar assim.

Uma escada ampla, de tijolo aparente e corrimão de ferro, levaria para as lojas. Estas, ficariam meio empilhadas no fundo da praça, todas saindo para um corredor de onde se avista a praça. Lojinhas pequenas, de produtos diferenciados, bonitos. Uma floricultura enfeitaria bem o primeiro andar, com as flores expostas na grade do corredor. Claro, não caberiam muitas lojas. Digamos, umas cinco por andar, em cerca de três andares. Mais do que isso as pernas não aguentam, embora a gente possa pensar num elevador para os sem-fôlego, os de mais idades e os de todas as anteriores.

Como o espaço ficaria aberto 24 horas, seria bom ter serviços de conveniência. Uma pequena padaria, mais uma boulangerie do que as nossas manjadas padarias. Uma lojinha de presentes, com objetos bonitos e originais. Outra de chocolates – poderia até ser uma Kopenhagen, mas eu preferiria mesmo uma Neuhaus. Vai, sem sonhar tão alto, serve uma de chocolates Gramado mesmo. Uma sorveteria, porque em dias de sol e calor – é o que mais temos tido ultimamente – seria o ponto de atração do lugar.

Quem se habilitasse a ter um estabelecimento ali teria de se comprometer a só contratar gente sorridente e bem-humorada. Nem precisa ser bonito – só um sorriso no rosto já deixa a pessoa bonita. E todo mundo trabalharia em turnos de seis horas, porque mais do que isso não há saco ou humor que agüente.

Quanto eu ganharia com isso? Não tenho a menor idéia. Mas eu ganhei na Mega-sena, lembra? Então essa não seria uma grande preocupação. O que eu queria, na verdade, é alguma coisa que não existe aqui em São Paulo. Um lugar gostoso, agradável, aberto, onde se possa ficar à-toa fumando um cigarro sem se preocupar em estar poluindo um ambiente fechado. Onde o tempo passe sem que se perceba. Onde dá pra relaxar lendo, tomando alguma coisa ou simplesmente vendo a fauna local desfilar. Tem de ser 24 horas porque eu sei o desespero que é encontrar um lugar pra ir depois da meia-noite nesta cidade sem ser esses lugares de música terrível bombardeando os ouvidos. Depois da meia-noite, só se for na casa de alguém que não tenha um vizinho chato que vai reclamar se a conversa estiver muito divertida e todo mundo estiver rindo. E olhe que nem toquei no tema da música.

Isso acho que vou dispensar no meu espaço. Quem quiser ter música, que leve a sua num disc-man ou assemelhado. Música de elevador, nem pensar. E gosto musical é subjetivo, não dá pra contentar gregos e troianos. Mas, claro, vai ter loja de CDs. Que pode até alugar disc-man com os CDs preferidos de cada um.

Bom, trata-se de um sonho. E resolvi contar assim porque, de repente, aparece alguém achando a idéia ótima e resolve levar adiante. Porque, na verdade, o lugar não precisa ser meu. Ele só precisa existir. Se é viável, se é lucrativo, isso deixo para os analistas e pentelhos de plantão decidirem. Para mim, seria o lugar.

Tenho outras idéias, ainda. Mas agora vai começar Smallville e eu tenho de correr pra publicar esse texto....

setembro 23, 2002

Estava na abertura de uma matéria do New York Times: “Não se preocupe se tiver a incômoda sensação de estar sendo esmagado. Você não está sozinho.”

Ufa, que alívio! Porque ser esmagado realmente é uma sensação boa de ser dividida com o máximo possível de pessoas. E é um baita consolo saber que tem mais gente sentindo a mesma coisa. Dentre as trocentas coisas solidárias que circulam por aí, eis que aparece mais uma: a sensação de esmagamento.

As formigas, com certeza, devem conhecer muito bem essa sensação, embora não existam muitas vivas para dar um depoimento e nem muita gente com domínio suficiente de formiguês pra poder entrevistá-las...

De qualquer forma, é bom explicar que a matéria em questão se referia ao perigo de guerra que anda atormentando a vida dos americanos, por causa dessa figura magnífica que eles escolheram para presidente. Nada como uma guerrinha pra esconder um monte de podres e desviar a atenção de outras coisas, né?

A sensação de esmagamento, pra nós, não é tão específica. Quer dizer: a gente pode até escolher o que vai nos esmagar, o que nos deixa certamente bem mais confortáveis do que os americanos. Assim, podemos até procurar quem vai ser esmagado da mesma forma, pra não ter a sensação de esmagamento solitário.

Já percebeu como basta trocar uma letrinha de uma palavra pra mudar todo o sentido? O solidário não é um solitário, mas pode acabar sozinho num cochilo do datilógrafo...

Mudei de pato a ganso, mas isso não tem a menor importância, porque o esmagamento solidário já não rendia mais suco. Essa coisa de palavra sempre me deixou intrigada e fascinada. E quando se trata de outra língua, então, fica mais divertido ainda.

Veja o espanhol, por exemplo. Todo mundo aqui jura de é igual ao português, mas não é bem assim. “Dos presuntos integrantes...” não é trecho de receita ou de descrição de um prato saboroso, embora um distraído possa acreditar que seja. E “el flamante presidente” não se refere a um presidente pegando fogo, nem a um super-herói que distribui rajadas de fogo e que ocupa algum cargo de presidente... E tem aquela frase lapidar que corre pelas redações brasileiras, de que o Peru dos americanos é a Turquia...

Existem palavras na língua portuguesa que parecem ter outro significado. Fronha, se alguém não sabe do que se trata, parece mais um palavrão do que um inocente e útil pedaço de pano. E uma coisa socialmente abominada como incesto pode ser interpretada como o ato de guardar alguma coisa no cesto...

Como alguém pode confessar, sem ficar envergonhado, que sofre de ardume em alguma parte do corpo? Ou que foi vítima de uma picadura de mosquito? Fora a coceira, e embora a construção esteja correta em ambos os casos, sempre vai ficar aquela incômoda sensação de ter falado alguma besteira sem tamanho...

setembro 22, 2002

Roupa suja é mesmo difícil. Às vezes tem-se muita, mas não é bom tocar no assunto. Particularmente, não gosto de ficar remoendo coisas que já passaram. Claro que ficam algumas mágoas, mas, na medida do possível, deixo tudo muito quieto, escondido num arquivo bem escondido do meu hd pessoal. Com o passar do tempo, a memória vai ficando muito cheia e o jeito é esvaziar arquivos pra ter mais espaço. Nessa hora, é bom esvaziar esse arquivo escondido. E colocar tudo no passado, sem voltar ao assunto.

Tenho a meu favor o fato de nunca querer ir muito fundo nas coisas. As coisas são como são - isso me basta. Por isso, talvez, eu não seja aquela repórter maravilhosa que uma época quis ser. Sempre faltava uma informação, alguma coisa pra compor o quadro completo da pauta. Não gosto de me meter em escândalos, não tenho a cara de pau necessária para perguntar coisas que sei que vão acabar em alguma sujeira. Isso, na vida pessoal, me foi muito útil muitas vezes. Na profissional, sempre atrapalhou.

Costumo me chamar de anta porque reconheço que sou. Sem nada que desabone os bichinhos - por sinal, são até bonitinhos -, sou daquelas pessoas crédulas, que sempre acham que os outros não têm maldade. Principalmente quando se refere aos meus contatos. Profissionalmente, isso enterra qualquer repórter. Fontes são muito boas para diversas coisas, mas é bom ter sempre em mente que elas também têm interesse em divulgar uma coisinha ou outra. Pessoalmente, às vezes dá certo. Quando não dá, fica aquela sensação horrível de "me fizeram de palhaço". Já experimentei essa sensação várias vezes e sei que provavelmente vou ter outras tantas. Não fico feliz em constatar isso. Mas aceito. Cada um é cada um, embora uns sejam mais do que os outros...

Pior é quando a gente mesma se faz de palhaça. Claro que só percebe bem depois, quando vê que passou um tempo se enganando. Aí o tombo é mais dolorido. Porque não tem ninguém pra por a culpa. Tem de assumir mesmo e se olhar no espelho com toda resignação que puder reunir. Desses choques, acho, a gente não se recupera nunca. Esconde, bem escondidinho, mas de vez em quando ele resolve dar um salto pra mostrar que ainda está ali. Fica preso no hd, não dá pra jogar fora.

Além de anta, acho que sou meio banana. Isso tem conserto, mas demora. Exige que se fique muito alerta para as coisas. E não sei se vou ter tempo pra me orgulhar de deixar de ser. Além do mais, bananice combina com uma certa idade. Velhinhas não têm de ser espertas. Podem ser inteligentes, divertidas, interessantes. Mas as pessoas sempre contam com uma certa bisonhice por parte delas - e já têm até aquele olhar de compaixão tipo "coitada, não tem mais idade pra perceber certas coisas..." Conto tanto com isso que já estou assumindo publicamente minha bananice.

Mas a tragédia, mesmo, é se impor um papel pela vida inteira e perceber que, mesmo que se queira, não dá mais pra sair dele. Aí fica uma briga interna das boas, dignas de entrar para um daqueles ultimate fighting da televisão. Não corre sangue, não à vista. Um lado quer mudar, o outro acha que não dá mais pra fazer isso e é pura perda de tempo tentar. E é uma briga do eu sozinho. Porque as outras pessoas ficam com cara de ponto de interrogação quando a gente não reage como elas esperavam. E dão bronca e brigam e protestam. Ninguém aceita.

E também, mudar pra quê? A estas alturas da vida, nem vale mais a pena. Mudar exige fôlego e muito energia... Acho, porém, que só a vontade de mudar já deixa a gente diferente. E, mesmo que algum tempo depois, se mude de idéia e se queira voltar atrás, não adianta mais. A bola já está rolando e o jogo está no meio. Não dá pra voltar atrás. Então, o jeito é sair catando o que ficou pra construir outra figura, o mais próximo possível daquilo que existia, mas não mais aquilo.

Em alguma aula do colegial - nem lembro mais em qual matéria - um professor tentava mostrar para a gente que um objeto já não é mais o mesmo um minuto depois de colocado num determinado lugar porque já tinha sofrido, nesse curto período, algum tipo de interferência do ambiente e da atmosfera. Na época, não entendi direito. Parecia mais aqueles delírios malucos de um professor totalmente aloprado. Hoje sei que ele estava coberto de razão. E só precisei recorrer à teoria do caos, não a da física, mas a da minha cabeça...

Se alguém entendeu, por favor, me explique. Porque eu mesma não entendi nada.

Por falar em tempo, acabo de olhar para a data e para o relógio: há 27 anos, dez minutos atrás, meu filho nascia...

setembro 18, 2002

Ouvi umas histórias muito malucas de ontem para hoje, de gente que parece normal e fica, por algum bom motivo (bom só pra elas, claro), obcecada por alguma coisa ou pessoa. É verdade que de perto ninguém é normal, mas também não precisa exagerar. Ninguém chegou tão perto assim pra provocar a onça – e a pessoa-objeto de obsessão nem tinha vara pra provocar o bicho...

Coisa mais maluca mesmo. Coisa de maluco. No meu ofício a gente demora, mas aprende que o branco nunca é totalmente branco e o preto sempre contém nuances de cinza. Quer dizer, eu aprendi. Não sei se os coleguinhas todos já aprenderam. A gente lida com seres humanos e coisas que os afetam, de uma forma ou de outra, mais ou menos. E bem certo estava o cara que disse que gente não é ciência exata...

Isso tudo tem muito a ver com aquela roupa suja que se guarda por anos a fio e, depois, resolve lavar de uma vez só. A sujeira entranha e às vezes não sai, se se demora muito para limpar. Mancha velha é pior: não há tira-mancha ou alvejante que resolva. Fica mais clarinha – às vezes, nem se percebe. Mas está lá e fica. Compete a cada um usar a roupa suja mesmo ou então jogar fora. Quando se trata de roupa mesmo, joga-se fora, compra-se outra. As estações mudam, a moda muda e a gente se adapta. Mas quando a roupa é metafórica, danou-se. Não há moda nem estação. É aquilo e pronto.

Essa roupa suja, diz um advogado amigo, é assustadora. Quando se tira do armário (ou de onde sei lá se guarda esse tipo de coisa), surgem os bichos mais estranhos. Pior que UTI onde, segundo um médico que cuidou da minha mãe, circulam bichos que a gente nem imagina que existam. São mágoas que vão se acumulando e roendo por dentro, igual a um rato que todo mundo tem e que alimenta às vezes sem nem perceber. Coisa perigosa...

Mas tem jeito. Para algumas pessoas, pode ser muito difícil. Para outras, impossível até. Pra essas, recomendo conviver com o rato interno da melhor forma, procurando matá-lo de inanição, sem dar alimento pra ele sobreviver. Mas a melhor forma, mesmo, é se entender. Conversar. Por pra fora. Vomitar o rato faz com que ele morra mais depressa. Ele não consegue viver à luz do dia. Isso é difícil. Porque trata-se de um rato e ninguém gosta de ratos, sejam eles de verdade ou de mentira. Acho que um dos poucos simpáticos é o Jerry e mesmo assim fico muito brava com as coisas que ele apronta com o pobre do Tom. E tem os mais moderninhos, Toppo Giggio e o Stuart Little, que já virou garoto-propaganda de banco. Mas esses não contam.

Mudando de pato a ganso, mas ainda mais ou menos dentro de assunto, fiquei pensando hoje no prazer da comida. Os sete pecados capitais que me perdoem, mas gula é um mesmo um prazer. Não a gula dos obesos, mas aquela que reúne pessoas em volta de uma mesa pelo prazer de uma boa comida, regada com boa bebida, bom papo, boa música de fundo. Comer é uma celebração e não estou falando de refeições comemorativas. Essas são chatas, mesmo que a comida seja boa.

Falo de encontros, de trocas, de confraternização. Acho que por isso não suporto refeições que terminam em discussões. Pode ser uma rima mas, nisso concordo com o poeta, não é uma solução. O ato de comer exige reverência, clima tranqüilo de cordialidade. Até mesmo o silêncio pode ser uma forma de comunicação expressiva nesse momento. Não há nada para falar, o melhor é ficar quieto, só curtindo a comida. Que também não precisa ser especial.

Aliás, a comida pode se transformar em coisa especial. Existem pratos que parecem ter sido imaginados para encontros. Fondue, por exemplo. É uma festa, sempre, mesmo que seja só para duas pessoas. Tem coisa mais divertida do que molhar o pão no queijo derretido ou a carne na gordura? Pode-se fazer isso na cozinha, quando se está preparando um prato, mas nunca vai ter o mesmo sabor da reunião em torno de uma panela.

Lembro da primeira vez que meus filhos comeram fondue. Foi em Gramado, num restaurantezinho que tinha tudo para ser um lugar de casais, romântico, à luz de velas. Se bem me lembro, minha mais velha não devia ter 10 anos ainda. Eles adoraram cada momento. Acho que tinha a ver com o lugar, sim, mas também ao fato de eles estarem preparando a própria comida, fritando a carne antes de juntá-la ao molho. E as provocações pra ver quem conseguia colocar mais carne no espeto, quem conseguia deixar a carne no ponto primeiro, as descobertas dos molhos, dos adocicados aos mais azedos. Preparei outros fondues em casa e sempre foi uma festa. Mas nunca mais foi igual àquela vez. A primeira vez a gente nunca esquece, mesmo.

Outra lembrança bonita que tenho, relacionada à comida, foi a de ver o prazer no rosto de um dos meus filhos na primeira refeição que ele fez em um avião. Voltávamos de Belo Horizonte e ele, sentadinho na poltrona, baixou a mesinha para receber a bandeja de comida. Num dos pratinhos tinha tutu de feijão. Ele experimentou um pouquinho, os olhinhos dele brilharam de contentamento. Acho que ele nunca mais comeu tutu com tanto prazer. Era uma celebração, mas ele não sabia. Um conjunto de coisas transformou aquele tutu numa coisa muito especial. Eu sei disso porque comi a mesma coisa. O tutu, pra mim, não tinha nada de especial.

setembro 16, 2002

Descubro, estarrecida, que sou uma raça em extinção. Ou melhor: sou descendente de uma raça em extinção. Saiu uma notinha no jornal, fui buscar o original nos telegramas. Estava lá, com todas as letras: o Japão é o país que tem maior número de idosos no mundo. Pelo menos 18,5% (23,6 milhões de pessoas) têm mais de 65 anos e, para reforçar, calcula-se que os japoneses são os que envelhecem mais depressa. Em 2015, serão 26%; em 2050, 35,7%. Ou seja, o número de jovens não cresce na mesma proporção dos idosos.

Apavorante, não é? Se eu fosse igual ao comandante da Andromeda Ascendant (deu pra perceber que ando vendo coisas bem instrutivas na televisão, certo?) e permanecesse congelada por 300 anos em algum bom buraco negro no espaço, quando acordasse não teria mais nenhum japonesinho pra contar a história. E – claro – eu seria uma raridade. Não que eu não me sinta assim, de vez em quando...

Essa coisa de continuidade é mesmo muito séria. A gente pensa que não tem importância – e não tem, enquanto existem vários iguais a você, da mesma espécie, pelo mundo. Mas fico imaginando como deve ser difícil alguém dizer que descende de alguma raça que não existe mais. Nossos índios, por exemplo, devem ter representantes únicos de algumas tribos, se é que ainda tem. Acho que algumas se foram e ninguém nem percebeu que tinham ido...

Igual essa coisa de plantas que sumiram do mapa, animais que a gente só ouviu falar. Bom, nesse caso, muitas sumiram por obra de mutações e adaptações ao meio-ambiente. Será que é isso que está levando embora os japoneses? Estão envelhecendo e vão sumir porque não cabem em alguma nova ordem natural que está em processo de desenvolvimento? Assim, igual aos dinossauros?

Não, não deve ser isso. Mesmo porque a mesma notícia fala que a população é realmente idosa, mas está em boa forma física e é socialmente ativa. O melhor exemplo disso é a mulher mais velha do mundo, que é japonesa, tem coisa de uns 115 anos e está forte e saúdável, até quanto se pode ser saudável com 115 anos... Quer dizer: eles são velhos, sim, mas fortes, saudáveis e prometem durar bastante. A expectativa de vida deles é de quase 85 anos para as mulheres e de pouco mais de 78 anos para os homens. E quase 18 mil japoneses já chegaram à marca dos 100 anos. O que nos leva ao lado contrário do raciocínio dos dinossauros. Serão um os japoneses exemplo do novo ser humano que estaria em formação, com mais tempo de vida? Uma evolução genética que, por misteriosos designios, calhou de começar do lado oriental do globo terrestre?

Na verdade, há algum tempo os japoneses instalaram o controle de natalidade como uma necessidade de sobrevivência. Já viu o tamanho daquele país? Inteiro, cabe no Estado de São Paulo. Só que tem, em gente, o equivalente a um Brasil inteiro: 126 milhões, pelo censo de 2000. Então, o melhor mesmo era ensinar os jovens que o "crescei e multiplicai-vos" deveria ser evitado. Funcionou. São, hoje, 48,8 milhões com mais de 50 anos e quase a metade disso - 25 milhões - com menos de 20 anos.

Só que agora eu acho que seria bom dar uma leve incentivada para a natalidade. Nada contra os velhinhos - estou caminhando lenta e inexoravelmente para isso e já passei dos 50 - mas será que o governo japonês já pensou no custo que será sustentar a aposentadoria de toda essa gente que se recusa a ir para o andar de cima? Quem sustenta os velhos num país são os economicamente ativos, aquelas pessoas na faixa intermediária, que hoje somam pouco mais de 50 milhões. Pelas projeções, dentro de cinco anos esse número vai cair para 42,2 milhões, enquanto os com mais de 50 serão 52,4 milhões. Relação bastante adversa, não?

De qualquer forma, tenho certeza de que os japoneses vão dar um jeito nisso e essas continhas todas que faço agora de qualquer jeito eles já devem ter feito. Os velhinhos, lá, vão continuar durando muito e sendo muito bem tratados e respeitados - a tradição exige que assim seja feito. Nos mais velhos está a sabedoria de toda uma vida, experiências ricas que devem ser transmitidas aos mais jovens.

Acredito nisso piamente e faço questão que meus filhos e netos acreditem também. Afinal de contas, estou a caminho de ser uma velhinha...

setembro 15, 2002

Attack my mini onions! O nome, sugestivo, faz a gente pensar num monte de cebolas percorrendo o mundo e provocando vales de lágrimas. Me chamou a atenção na home do Blogger - e é impressionante a criatividade que a gente encontra por aí. Não fui olhar o que tem lá, mas assim que terminar aqui, dou um pulo lá.

Domingão que começou bonito, agora ameaça chuva. Aqui em Sampa é assim mesmo, dirão alguns. Pode ser. Pelo menos a gente não morre de tédio. De resfriado que vira gripe e evolui para pneumonia, pode ser. Aqui, sempre tem alguma coisa rolando em algum lugar e a gente não precisa nem sair de casa pra ver. A televisão mostra. Mas como a ignorância é o melhor estado de espírito em algumas ocasiões, melhor mesmo é ficar curtindo outras coisas. Ainda mais quando se sabe que a realidade vai cair com tudo em cima da gente na segundona. Garfield tem razão: segunda é sempre terrível.

De vez em quando, é bom a gente brincar de eremita. Fingir que está no alto inatingível de uma montanha e ficar esperando os intrépidos aventureiros que chegarão apenas para perguntar qual o sentido da vida. Claro que não há resposta, mas também ninguém vai conseguir chegar lá. Mas esse retiro é bom, principalmente quando se sabe que as forças estão poucas e o dinheiro, menor ainda. Nesses momentos de solidão, a gente fica mais forte, mais centrado. E também pode se dar ao luxo de voar longe, ficar mesmo no alto da montanha, só espiando as coisas, sem poder intervir nem dar palpite.

Se bem que, às vezes, dá vontade de falar um monte. A gente vê tanta coisa esquisita, às vezes até erradas, que tem vontade bater no ombro da criatura que está fazendo isso e perguntar se ela não se toca. Como já tomei umas duas respostas enviesadas e outras tantas bem mal-educadas na linha do 'você não tem nada a ver com isso', aprendi que o melhor mesmo é deixar quieto. Por mais que gostemos das pessoas, nem sempre se pode evitar que elas quebrem a cara. Aliás, não dá pra evitar mesmo. Cada um é cada um e, se alguém pergunta a opinião do outro é sempre para ter certeza de que mais alguém pensa do mesmo jeito. Se a resposta não for a esperada, é porque o outro não entendeu o problema direito. Assim, a gente vê coisas que não queria ver, mas engole. Acho que deve ter alguém pensando mais ou menos a mesma coisa a meu respeito, porque eu também não ouço conselhor que não sejam aqueles que quero ouvir. É verdade também que raramente saio pedindo.

Pedir é difícil, pra mim. Pedir significa estar precisando de ajuda e eu não gosto nem um pouco da sensação de estar dependente de alguém. Claro que não dá pra viver sem pedir alguma ajuda em algum momento. Claro que peço sempre que preciso. Mas isso não tem nada a ver com gostar disso. É duro, difícil, sofrido. Pior ainda quando a gente pede e o outro lado não colabora - porque não pode, porque não quer, por mil razões. Mas nega. Aí é pior ainda: a sensação que se tem é de cachorro escorraçado. Quer dizer, a sensação que eu tenho.

Daqui a pouco vai escurecer e, pela graça do Senhor meu Deus, não fiz nada o dia inteiro. Fazer nada é um dos exercícios mais gostosos que existe, que eu deveria praticar mais vezes. Pena que não dá... Estou torcendo pra continue assim, com esse monte de nada pra fazer, até amanhã cedo. Aí sim poderei dizer que aproveitei bem o final de semana...

setembro 12, 2002

Nossa, faz tempo!!!

A proposta, no início era escrever sempre que tivesse vontade e vontade eu tenho sempre, mas, como dizia o genial Joaquim Lavado, o Quino, através da boca da Mafalda, o urgente nunca deixa tempo para o necessário. E o urgente, aqui, claro, era o trabalho, aquela coisa que – acho que já disse isso – não está na lista das minhas maiores preferências. De qualquer forma. uma hora ou outra a oportunidade aparece.

E como a ocasião faz o ladrão, aqui vamos nós. Foi um período cheio de reflexões, sobre morte e vida, amor e traição, violência e cuidado (não, não se trata de um roteiro de filme, e acho que nem daria pano pra tanta manga). Não sei se vai dar pra falar tudo agora, mas o tempo, no caso, é meu aliado. O espaço é meu, faço dele o que bem quero e quando quero (e posso). Alguma coisa pode ficar pra depois.

Morte, sim, porque uma companheira se foi. Não tenho problemas com a morte, acho que ela é uma seqüência natural da vida. Ser vivo, manja, aquela coisa de nascer, crescer e morrer. Só que o crescer é relativo. Tem quem passe décadas e décadas crescendo; tem os que ficam só umas poucas. E aí é que pega. Pela lei natural das coisas, os filhos devem enterrar os pais. A frase não é minha, é de alguém que gosto muito e que a disse no velório do filho, alguns anos atrás. É isso que me chateia: nem sempre a tal ordem natural das coisas funciona.

Jovens morrem. Crianças morrem. Não discuto as causas, faço uma reflexão sobre essa ruptura. Nem nas mais alucinadas viagens consigo pensar em como deve ser isso. A morte de um filho deve ser tão dolorido que me recuso a pensar que seja possível. Faço como me aconselhou uma amiga, que tem os mesmos problemas em relação ao tema: faz de conta que não existe. E pronto. Mas de vez em quando não dá pra não pensar.

Vida porque aí vem Caleu, meu neto. Isso sim dá prazer. Neto é continuação da gente mais até do que filho, porque já é uma geração na frente. Já é uma prova de que o que a gente fez antes deu certo, os filhos estão criados, prontos pra sustentar uma família – e sustento, aqui, tem um significado bem maior do que ganhar dinheiro suficiente pra isso. Tem uma personagem, Penelope, de um livro, Os Catadores de Conchas, de Rosamunde Pilcher, que diz que a maior herança que os pais podem deixar aos filhos é a capacidade de eles viverem sem os pais. Então, neto é mais ou menos o símbolo disso. É verdade que, no livro, a única filha da Penelope que tem filhos é totalmente incompetente para a vida, mas isso é só um detalhe do romance.

Neto tem a vantagem adicional e irresistível de a gente não precisar educá-los. Papel de avó é estragar neto, criar uma cumplicidade gostosa, de camaradagem, aquela coisa de dar um docinho proibido, de ouvir as idéias malucas que toda criança tem e dar risada. Dar risada junto é maravilhoso. E tem a piscadela pelas costas dos pais, que nenhum moleque deve deixar de receber dos avós.

Não penso em fazer comidinhas especiais, nem em comprar brinquedos mirabolantes para ele. Penso em como vai ser gostoso a gente compartilhar momentos, ver na televisão todas aquelas coisas que povoam o imaginário das crianças e dividir, depois, uma encenação na qual – claro – ele vai ser o herói. Penso em ler livrinhos para ele, conversar sobre bichos e fantasmas (que criança não gosta de falar nos sobrenaturais?). Acho que, na verdade, penso em voltar a ser criança...

Traição é coisa mais pesada, melhor deixar para uma outra hora. E violência, acho que não é preciso se estender muito não. Fiquei assustada, embora tenha dado boas risadas, com o conteúdo de um site, cujo endereço não divulgo porque não sou maluca. Sob um disfarce cristão, o site fala em violência e racismo de uma forma tão maluca que não dá pra levar a sério, mas planta uma dúvida na cabeça. Será que tem alguém que acredita naquilo? Será que tem gente que realmente pensa daquele jeito?

Fico pensando que, de fato, o espaço virtual é democrático, cego e surdo. Mais ou menos na linha de que papel aceita tudo, é só escrever. Internet também: é só publicar. Tanto que, se a gente procurar, encontra. Não procurei, veio parar na minha mão por acaso. E gostaria de não ter visto, pra pelo menos continuar acreditando que algumas coisas são exagero de cabeças inventivas. Parece que não são.

É verdade que tem de um tudo neste mundo do Senhor meu Deus. E muito mais coisas do que a gente pode sonhar, disso não tenho dúvidas. Mas às vezes me espanta a capacidade do ser humano de criar coisas nefastas e nefandas, sob o disfarce daquelas boas intenções que abarrotam o inferno...

setembro 04, 2002

A coluna do Mário Prata, hoje, fala da terrível sensação de se ter todos os passos monitorados na cidade, sob a desculpa de segurança. Uma grande amiga diz que não assiste filmes e/ou seriados sobre espionagem, CIA e outros que tais porque fica sempre impressionada com essa coisa de invasão de privacidade. Para ela, daqui a pouco só vamos conseguir ficar sem vigilância no banheiro de casa – e isso só nas casas onde as pessoas não quiserem colocar câmeras ali.

Adoro seriados e filmes de espionagem. Mas de vez em quando fico lá com minhas cismas sobre essa coisa de um organismo qualquer ter acesso a tudo o que faço ou falo, em casa ou na rua. Se eu quiser dar uma cutucadinha no nariz, discreta, vou pensar duas vezes. Será que não vai ter uma maldita câmara me mostrando? E a coisa fica ainda pior com esse negócio de pegadinhas que fica aparecendo na TV todo final de semana...

É verdade que, no caso das pegadinhas, para minha carinha aparecer na televisão, vão ter de pedir autorização – que eu não vou dar -, sob pena de serem processados por abuso de imagem. Mas, e se mostrarem sem autorização? Mesmo jogando um processo em cima dos caras, quem é que vai salvar minha imagem, totalmente destruída depois de aparecer para o mundo com o dedo no nariz? Bom, terei meus 15 minutos (acho que nem é tudo isso) de fama e, de quebra, terei a possibilidade de ganhar algum dinheiro. E o tempo todo vou ficar rezando para que seja verdade que a memória do povo é curta...

Mas voltando à segurança e invasão de privacidade, acho que esta é uma questão basicamente ética. Pra ser mais exata, de governantes éticos. Uma pitadinha de bom senso também não faz mal a ninguém.

Câmeras para vigiar cruzamentos, estradas e avenidas, para coibir abusos no trânsito, tudo bem. Se o cidadão não é suficientemente cidadão para cumprir as leis, mesmo que não concorde com elas, então precisa mesmo de vigilância cerrada. Também acho que tudo bem ter a chamada vigilância eletrônica em locais sujeitos a assaltos.

Mas não me venham com grampos no meu telefone ou escutas na minha casa. Sou daquelas pessoas travadas, que não consegue sequer abrir a boca diante de um microfone. Não consigo pensar em como seria se descobrisse alguma invasão desse tipo em casa. Acho que pirava.

De qualquer forma, isso tudo é coisa que, na minha cabeça, só atinge pessoas de muita importância em alguma ordem geral. Por enquanto, estou no meio do povão – portanto, bem longe desses perigos, acho...

setembro 01, 2002

Domingo de sol radioso, mas baixa temperatura. Enfim, um dia perfeito, ainda mais porque é domingo e a cidade está totalmente tranqüila, sem barulho. Morar em Sampa tem dessas coisas. De repente, a gente se vê achando a cidade maravilhosa, só porque está tudo quieto, o sol brilha e a temperatura está amena. A cidade surpreende.

Posso dar a impressão contrária, mas adoro esta cidade. Em nenhum lugar do mundo que eu conheça tenho essa sensação de lugar ao qual pertenço. É poluída, sim. Barulhenta, com certeza. Cinza, muito, na maioria dos lugares. É quase sempre feia, mas tem encantos que não encontro em outro lugares.

Provavelmente porque não vivo em outro lugar. A convivência cria referências, indicações, laços. Mas não sei se teria, em outra cidade, a mesma relação que tenho com esta. Gostaria de experimentar. Mas São Paulo sempre estaria presente na minha cabeça como uma referência de lugar onde moro.

Claro que existem outros lugares maravilhosos no mundo. O Rio, por exemplo, é, mesmo a cidade maravilhosa. As paisagens que a cidade oferece são absolutamente deslumbrantes e não me espanta que os estrangeiros se apaixonem pela cidade. Para mim, porém, é uma cidade para passear, curtir – e voltar. Não gostaria de morar lá – não me perguntem porque. Nunca pensei no Rio como um lugar de morar.

Outras cidades já me deram vontade de deixar Sampa pra passar um tempo fora. Boston é uma. Nunca fiquei muito tempo lá, mas toda vez que fui fiquei com a sensação de que deve ser um lugar agradável, bom de se passar bastante tempo. É grande sem ser exagerada, é bonita e fica perto do mar. Do outro lado dos Estados Unidos, tem San Francisco, pela qual me apaixonei rapidinho. As casas, todas com bay windows, são de um encanto envolvente. E também tem mar.

Mais do que todas, porém, é Barcelona que mexe com minha sede de mudança. A cidade é louca de pedra, literalmente. No bairro histórico, é pedra em cima de pedra. Fora de lá, as avingudas e passèigs são de um charme quase maior do que Paris. E, sobretudo, é só olhar fotos de lá que ouço o chamado pra conhecer melhor. Barça, més que mai – é mais do que melhor mesmo? E tem mar...

Acho que já deu pra sacar que meu negócio é a maresia. Pela definição do Josep Pla, sou bicho de terra, aqueles que gostam de ter o mar como fundo de um vaso de flores colocado na janela. Não saberia viver dele, ou sobre ele, acho. Mal sei nadar, tenho um pavor mortal de mergulhar – falo de mergulho mesmo, aqueles que exigem fôlego e coordenação, não aquela coisa rápida de cair na água e logo voltar à superfície. Adoro ver documentários sobre o fundo do mar, provavelmente porque tenho certeza de que nunca vou conseguir ver tudo aquilo no vivo e na cor. Então, que seja pela TV... Bom, um dia, se eu criar coragem... Quem sabe?

Mas o prazer de caminhar ao longo da praia, com as ondas baixinhas molhando os pés e o sol esquentando a areia, isso eu acho 'introcável'. Não há substituto. É por isso que meu projeto velhinha é viver em Paraty.

Paraty é daqueles lugares mágicos, cujo bom astral é quase palpável. E fica razoavelmente perto de Sampa, de forma que dá pra gente sair de lá numa sexta à noite e chegar aqui a tempo de aproveitar um fim-de-semana cultural, com passeios em livrarias, cinemas e teatros. A gente se abastece aqui daquele tanto de coisas que o espírito precisa e vai cuidar do corpo à bira-mar, passeando no meio do casario todo de Paraty. De quebra, dar uma volta pelas ilhas de vez em quando...

Mas é bom não contar muita vantagem do lugar, que já é bem mais conhecido do que eu gostaria. Quando alguém disse que as boas idéias têm de ficar guardadas na cabeça, acho que tinha exatamente isso em mente. Não conte – se mais gente ficar sabendo, a boa idéia passa a ser de todos. E, pra ficar no meio da multidão, a gente fica em Sampa mesmo, esperando o final de semana pra lembrar o que é silêncio...

agosto 29, 2002

No começo, fiquei indignada. Essa história de isolar os fumantes numa área e ter de abandonar o trabalho para buscar inspiração fumacenta em algum lugar distante me deixou muito, mas muito furiosa. Agora não fico mais tão brava – e até curto. No tal fumódromo a gente encontra todo mundo, de todos os lugares. Conhece todo mundo. E as conversas que rolam... Duvido que os não fumantes saibam do que estou falando - um ex-fumante me confessou que não sente falta do cigarro, mas da convivência que ele propiciava. Convidei-o a ir ao fumódromo de vez em quando pra matar as saudades...

Há algum tempo, um amigo deixou de fumar e coincidiu de, naquela época, viajar a serviço para a Espanha. Na volta, contou que não aguentou a caretice da ala dos não fumantes e foi buscar abrigo e distração junto com os fumantes. Acabou se divertindo muito. Hoje ele não poderia fazer mais isso, não se fuma mais em avião nenhum. Mas a história dele só comprova que o cigarro reúne e aproxima as pessoas – agora, então, que os fumantes estão cada vez mais escanteados, a confraternização em torno da fumaça toma ares de reunião de uma tribo rara e especial. Daí a necessidade de mostrar ao mundo que, na verdade, somos muito simpáticos e divertidos.

E tem mais: no tempo em que era possível trabalhar fumando, queimava-se muito cigarro à-tôa. Os cinzeiros viviam cheios de cinzas imensas, quase do tamanho de um cigarro, porque o fumante em questão tinha acendido o cigarro, dado uma tragada e só foi lembrar dele depois que tinha queimado tudo. Aí, acendia outro que seguia o mesmo caminho. Então, era o reino do desperdício. Hoje, não: quando se vai ao fumódromo, é pra fumar mesmo, um cigarro inteiro. Para curtir o cigarro com vontade e prazer, sem culpa.

Olhe que isso é da maior importância: sem culpa. Acho hipocrisia alguém morar em São Paulo, respirar esse ar totalmente poluído que respira e reclamar que a fumaça do cigarro faz mal aos pulmões. Concordo: fumaça de cigarro incomoda e fumar em ambientes fechados é crime (aliás, gostaria que me explicassem porque o fumódromo de onde trabalho fica numa sala fechada, no meio do andar). Quem fuma tem de ter o cuidado de ver se há uma janela aberta por perto. Se não houver e for muito urgente, o melhor é sair para um local aberto.

Histórias de fumantes, porém, não dão mais o menor Ibope. Só histórias antifumantes – estas têm audiência garantida, pelo menos é essa a impressão que dá a quantidade de matérias veiculadas na imprensa escrita e televisionada. Quer saber? Acho que ninguém mais tem paciência de ler ou ouvir coisas desse tipo.

Fumar é igual preferência sexual: você é ou não é, de acordo com a vontade de cada um. Dá pra largar? Dá – um monte de gente já fez isso, pelos mais variados motivos (já não posso dizer o mesmo sobre as preferências sexuais).

Mas não vou fazer a defesa do cigarro. Sei que faz mal à saúde. Procuro respeitar ao máximo as pessoas que estão à minha volta, não fumo em carros ou em lugares fechados, obedeço cegamente as placas de proibido fumar (mesmo quando embaixo delas tem um cinzeiro cheio de bitucas). Da mesma forma, quero que respeitem a minha opção de fumante. Não me venham com contas sobre o tempo de vida roubado que corresponde a cada cigarro fumado. Sei que provavelmente vou morrer por causa do cigarro, mas não preciso que me lembrem disso. E também sei que vou enterrar muito conhecido não-fumante. Porque a morte é conseqüência natural da vida, que deve ser vivida da melhor forma - e este é um conceito muito pessoal, cabe a cada um decidir o que fazer com a própria vida.

A propósito: alguém, em algum momento da história, já comentou que tudo o que dá prazer faz mal, é proibido ou engorda. Então...

agosto 28, 2002

“Ordem das carmelitas gotosas do coração apetitoso de Maria”. A bobagem – grossa - surgiu no fumódromo, por causa de um colega com gota, que a gente anda chamando de Zé Gotoso. Ele reclamava que a gota impõe um regime em que não se pode comer nem fazer nada e que a única solução era entrar para a ordem das carmelitas descalças. Depois pensou melhor: “Descalço não dá, machuca o pé. Será que pode ser de havaiana, pelo menos no pé direito?” E como dizia o velho Millor, livre pensar é só pensar. E seguiu-se uma fieira de asneiras que desaguou na tal ordem.

E como livre pensar é só pensar, lembrei da ocasião em que criei uma ONG em prol da preservação das lenitinhas, animais em extinção – só se conhece um espécime vivo -, fofinhos, de pelagem curta, extremamente simpáticos e preguiçosos. Não são predadores, preferem passar boa parte do tempo dormindo, mas são excelentes companheiros. Em boa companhia, esquecem o sono e o cansaço. Não deu certo, ninguém levou a sério. Nem a gente.

Depois do fechamento, não dá pra ser sério. Aliás, não dá pra ser sério nem durante o fechamento, sob pena de se enlouquecer rapidamente, tamanha é a pressão da hora. Depois, corre-se atrás do prejuízo. O segundo clichê é a edição revista, corrigida e melhorada – bem melhorada. Quem disse que a pressa é inimiga da perfeição deve ter trabalhado em jornal diário.

Redação tem umas coisas muito engraçadas. Há algum tempo, um colega descrevia as pessoas que trabalhavam lá como “o mais bonzinho aqui lambe o chão”. E é meio por aí. Claro que na tal hora do fechamento não tem graça nenhuma. Todo mundo enfia o nariz no monitor e desabala os dedos no teclado pra acabar rapidinho. Há um horário a ser cumprido.

Mas é uma cachaça. Vicia. A gente xinga, esperneia, acha ruim, mas, se fica longe durante algum tempo, sente saudades. Não sei explicar o porquê. É assim, da mesma forma, pra todo mundo. Pode-se até ir para publicações mais tranqüilas, que não adianta. Todo mundo sente falta. Alguns nem voltam e aí, em conversas, percebe-se aquele travo de nostalgia, de tristeza por não estar participando mais da correria. Gosto mais besta, né? Pois...

Essa coisa de ONG também é engraçada. A história da proteção às lenitinhas surgiu num período de férias em Paraty, quando soubemos que havia um japonês circulando pela região, que representava alguma grande entidade japonesa e buscava conhecer ONGs brasileiras para dar ajuda financeira. O japonês, que não cheguei a ver, mas me contaram, estava, na verdade, se divertindo à toda. Uma noite ia dançar forró no salão de não sei onde, no dia seguinte tinha passeio de barco pelas ilhas, depois jantar com tal autoridade e por aí afora. Não sei se chegou a dar ajuda a alguma entidade, mas montamos toda a cena de apresentação da nossa ONG, a das lenitinhas. Incluía até discurso em japonês, que continuo sem saber até hoje...

É impressionante como, nas férias, a imaginação vai a mil por hora. É questão de segundos largar tudo – casa, trabalho, família – para ficar em algum bom lugar, com alguma nova profissão que saiu do nada. Nessa linha, já tive pousada, restaurante, livraria e café, loja de souvenir, representação de artesanato local. Vi casas e apartamentos nos mais variados locais, no Brasil e no exterior. No fim, continuo por aqui mesmo – mas os sonhos continuam valendo.

agosto 27, 2002

Falei em medo e acabei me dando conta de que está aí, de fato, o grande sentimento deste século. Ele foi crescendo, se avolumando ao longo dos anos e chegou num ponto em que até ficar trancado em casa pode dar medo. A que ponto chegamos...

Não se trata de saudosismo, mas acho que as coisas não eram bem assim há uns 30 anos. Bom, naquele tempo haviam pessoas medrosas, mas não era como hoje, esse perigo implícito que ameaça um simples passeio perto de casa. Ou será que a gente, depois de uma certa idade, começa mesmo a ficar mais medrosa? Esta é uma possibilidade bem boa de ser estudada...

Uma velha amiga, por sinal já falecida, costumava contar que toda vez que esquecia alguma coisa pensava imediatamente que se tratava de um problema de idade e ria muito. Ela pertencia àquela rara categoria de pessoas que não tem problema com a idade e encarava tudo numa boa, sempre se divertindo muito. Além disso, a gente vive esquecendo coisas. Na maioria das vezes, são coisas sem importância. Mas o esquecer faz parte da rotina de todo mundo. Pode dar algum problema, mas raramente é coisa séria.

Outra amiga conta que a memória dela está ficando cada vez mais seletiva. Ela lembra de coisas que acha que interessa. O que não interessa é deletado no ato. E, claro, tem aquela que já vai avisando que nunca lembra de nada - nem de tomar memoriol todos os dias...

Pessoalmente, acho que é uma questão de espaço. Se a mente humana é igual a de um computador, com vários arquivos, não há gigabyte que aguente o tanto de informação que recebemos todos os dias depois de muitos anos sem reposição de placas. E infelizmente não se trata só de limpar. Entrou na memória, não sai mais. É a mesma coisa em relação às peças. Num computador, dá pra limpar tudo, reformatar o disco e recomeçar do zero. Com a gente, não. Deve ser o tal do elemento humano que atrapalha o sistema, aquele periférico que fica na frente do teclado...

Mas existem coisas que não precisariam ser lembradas e que deveriam vir com um botãozinho de delete pra ser acionado sempre que fosse preciso. Nas aventuras de Harry Potter me encantou uma tigela que o professor Dumbledore tem na sala dele, cheia de um líquido prateado parecido com mercúrio, chamada Pensieve. Quando alguém aproximava a cabeça da tigela, via um monte de imagens aparentemente desconexas. Funcionava assim: toda vez que Dumbledore sentia que estava com pensamentos demais na cabeça, ele tocava a testa com a varinha de condão e extraía esse líquido prateado, que eram os pensamentos dele. Jogava tudo na tigela e depois, com a cabeça mais leve, examinava as imagens com atenção e isenção. Fiquei maravilhada com a possibilidade de se colocar os pensamentos de forma a poder examiná-los com o distanciamento necessário para se chegar a qualquer conclusão. E mais entusiasmada ainda em imaginar que os pensamentos são prateados e fluidos. Os mágicos de Hogwarts têm lá seus problemas, mas também contam com recursos incríveis - afinal, são mágicos...

Historinhas de criança, dirão alguns. Que eu adoro. Sempre que possível, leio alguma coisa dessa literatura que dizem ser infanto-juvenil, mas que leva qualquer pessoa com um mínimo de imaginação para lugares incríveis e em situações deliciosas. Livros são, para mim, muito mais intensos do que o cinema ou a televisão. Mostram muito mais, deixam muito mais para a imaginação decidir. Romances são as maiores fontes de prazer que alguém pode ter. Uma hoa história, com começo, meio e fim bem amarrados, bem contados - isso vale noites sem dormir. O real tromba comigo todo santo dia no trabalho, não preciso dele pra tocar minha vidinha. Quem cobra realidade de cinema, teatro ou livro deve viver bem longe da Terra... Quero muita ficção, desvairada, criativa, intensa. Muito faz de conta, onde possa me refugiar de vez em quando, pra me isolar dos vários novos medos que andam me atormentando.

Os espanhóis costumam dizer que viver com medo é viver pela metade. Então, tem muita gente simplesmente deixando de viver nesse mundo do Senhor meu Deus. Desconfio que estou entrando para essa turma...

agosto 26, 2002

Todo dia ela faz tudo sempre igual. Mas com uma competência de dar inveja. O café vem forte certo, perfeito para receber o pingo de leite e ficar com aquele tom de marrom leitoso. Depois, ela encosta num canto da mesa e conta tudo o que aconteceu – com ela, é claro - desde a hora em que saí de casa, na tarde anterior, até aquele momento. Há dias em que as aventuras são saborosas e merecem um ouvido atento. Noutros, meio ouvido é o suficiente. Mas espero que ela não tenha notado isso.

Adelina – este é o nome dela – é assim. Está em casa já há 10 anos e se tornou a companheira perfeita. Faz bolos e sobremesas deliciosas e, o que é melhor, transforma o trivial em coisa rara. O feijão é imperdível e tem gente que vem de longe para uma refeição caseira, só por causa dele.

Uma das histórias mais malucas que a De – é assim que a chamamos – contou nos últimos dias foi o assalto no ônibus em que estava. Ia para casa e dois homens, um deles armado, levaram o dinheiro todo que o cobrador tinha. Não era muito. “Cobrador agora anda esperto, logo guarda o dinheiro no caixa pra ladrão não pegar”, ela me contou. Mas o ladrão não gostou e ameaçou o cobrador de morte. Acabou tudo bem, os dois desceram com o dinheiro que conseguiram e nem molestaram os passageiros. Mas a De ficou traumatizada – era o terceiro assalto, só neste ano. De lá pra cá, qualquer cidadão que suba no ônibus naquele ponto, pra ela, é suspeito. E na sexta-feira, quase que ela tem um ataque: sobe um rapaz, justo ‘naquele’ ponto, com um volume sob a camiseta, bem na altura da cintura. Na hora de passar pela roleta, ele levantou a camiseta – ela gelou. Mas era só a carteira que ele carregava na cintura. “E a barriguinha dele era interessante, De?” “Sei lá, nem olhei...”

Medo é mesmo uma coisa terrível, que não dá pra controlar. E não adianta racionalizar. Na hora H, não tem raciocínio que resista. Das emoções que podem devastar um ser humano, o medo é o pior. Devasta mesmo. E, às vezes, nem tem causa. Já vi marmanjo totalmente transtornado por causa de uma enorme e assustadora... barata. Um amigo desenvolveu uma técnica que não dá muito certo, mas pelo menos é engraçada. Ele fica olhando a barata – bem de longe, claro – e dizendo pra ela: “Você não existe. Você é fruto da minha imaginação doentia”. Repetidamente, como um mantra, até a barata se meter em algum bom buraco e sumir da vista dele. Este mesmo ser, cujo nome não conto pra não comprometê-lo, ficou pelo menos umas duas horas empoleirado na mesa da cozinha do apartamento onde morava até aparecer uma alma salvadora que matasse o apavorante invasor.

Depois que tudo passa, a gente morre de rir. Mas a graça só vem depois. Na hora, tudo o que a gente quer é ser engolido pela terra e sumir da vista daquilo que nos apavora. Pra minha sorte, meu medo maior é de cobras, o que me evita o risco de ter ataques no meio da rua, como acontece com quem tem pavor de baratas e ratos. Pelo menos em São Paulo não corro o risco de cruzar com uma delas nas ruas e e evito freqüentar locais próximos do Instituto Butantã. Minha área limite compreende pelo menos um quilômetro em torno do instituto – e com algumas ressalvas e cuidados. Por exemplo: tem de ser em dia sem vento, porque se uma folha, levada pelo vento, encostar acidentalmente na minha perna, pode esperar pelo vexame...

Agora, totalmente incompreensível é o fato de minha irmã, cujo pavor maior são as lagartixas – ela interrompeu a lua-de-mel por causa delas – dar de presente a meu filho nada mais, nada menos do que uma iguana, uma lagartixa verde e com mania de grandeza...

agosto 25, 2002

As frésias, na sala, espalham um perfume docemente discreto e enchem de cor o espaço perto da janela. São efêmeras, duram umas duas semanas - depois, só no ano que vem. Mas os vasos podem ser repostos, o que garante mais tempo de cor e perfume.Quem me conhece deve estranhar essa referência a perfume. Não gosto de cheiros fortes pela casa, na roupa, em pessoas. Perfume bom é uma vaga referência, alguma coisa gostosa que a gente não sabe bem de onde vem, mas não reclama se aparece e também não tem necessidade de sair procurando. A gente sente e pronto.

Claro que muita gente não concorda com isso. E está certo. O que seria dos fabricantes de perfumes se todo mundo pensasse como eu? Paris não seria Paris, capital do perfume. Eu passo mal quando enfrento aqueles corredores dos grand magasins com os mais variados cheiros, quase todos muito doces. E olhe que não sou diabética... Gozado, porque todo perfume forte é doce. Os cítricos não se destacam. Os de madeira, então, chegam à beira do insuportável. Quando entro num elevador por onde passou alguém ou junto com um "cheiroso", tenho de me conter pra não soltar um comentário maldoso do tipo "acho que hoje a água não deu pro banho". Puro preconceito, reconheço. Por isso não falo nada. Mas acho insuportável.

Uma amiguinha - amiguinha porque é muito jovem -, aliás, está indo para uma temporada de seis meses em Paris. Acho uma oportunidade única, que todo jovem deveria ter e enfrentar. Não precisa ser Paris, qualquer lugar no exterior serve. Viver fora de casa, sozinho, por conta própria (mesmo que o dinheiro venha dos pais), falando um outra língua e convivendo com outros costumes é, de fato, um experiência preciosa. É preciso ir fundo, mergulhar nos costumes, se misturar às pessoas, viver a cidade e, por tabela, o país. Pena que não tive a chance de fazer isso quando jovem.

Minha primeira viagem ao exterior foi para a Argentina - se é que Argentina pode ser chamada de exterior. Numa semana de carnaval, lá fui eu. Foi um deslumbre. Descobri que conseguia falar um espanhol razoável, mas não me atrevia a abrir a boca. Puro medo: vai que eu falasse alguma coisa errada? Essa história de que a gente tem de estudar muito pra falar bem uma língua sempre me atormentou. Com isso, consigo ler e entender algumas línguas mas... falar?!?! é um extremo sacrifício. Mesmo sabendo que, quase sempre, as pessoas de outros países acham maravilhoso que os estrangeiros tentem falar a língua deles. O Guga, por exemplo. O inglês dele é de arrepiar os cabelos de ruim, mas os americanos acham o sotaque dele charmoso. E o Matthew Shirts conta, muito divertido, sobre a festa de aniversário do filho do Mário Prata com a Marta Góes. O Mateus (agora ele já virou Mateus) passou horas conversando com a Marta, que depois comentou com o Prata sobre aquele amigo dele de Piracicaba: "ele ainda tem um sotaque forte, né?"

Então, falar outra língua é mais do que um desafio pra mim. É impossibilidade mesmo. Não adianta dizer que eu sei. Eu sei que sei. Mas na hora H, necas. Teve um gringo que baixou aqui em casa uma ocasião, o John - juro que o nome dele é mesmo John, não estou invetando -, com quem acabei fazendo amizade. Com ele eu conseguia conversar com alguma fluência, mas acho que é porque ele também mostrava interesse e se esforçava em entender. Grande sujeito, o John. Grande mesmo - gordo, cara redonda e meio vermelha, olhinhos azuis. A filhinha de um amigo, quando olhou pra cara dele, perguntou pro pai: "é o Papai-Noel?" Parecia mesmo. Por onde andará o John a estas alturas? Certamente navegando de barco pela costa oeste americana - o homem, quando o conheci, morava em Washington e tinha um barco para passeios em fins de semana. Depois de alguns anos, mudou-se para a Califórnia e levou o barco, por terra. Na última vez que o vi, já estava instalado na nova casa, com o barco e um gato.

Lembrar do John me remete à vez que o levei à Vai-Vai, minha escola do coração, embora eu tenha sumido da quadra. Era uma noite de ensaio e eu fiz questão de mostrar a ele a roupa que eu ia usar na avenida (ala das Baianas, não podia estar mais coberta), de apresentá-lo aos diretores da escola, de mostrar tudo. Fomos tomar uma cerveja no boteco em frente à quadra quando estoura uma briga monumental, bem ali ao lado da gente. Foi um corre-corre danado e eu tendo de explicar ao gringo que aquilo não era comum, não, mas acontecia de vez em quando, as pessoas se exaltavam, coisa e loisa. Isso tudo em inglês!

Mas mais engraçado ainda foi quando apareceram por lá os japoneses que aparecem todos os anos. Eles têm um esquema muito doido, os japoneses. Chegam sempre em torno da quarta-feira logo anterior ao carnaval. Já deixam sempre encomendadas as fantasias do ano seguinte, pagam tudo direitinho, compram um monte de instrumentos, desfilam e na quarta-feira de Cinzas já estão embarcando de volta. Como eles costumam sair em escolas de samba no Japão, vêm especialmente para se abastecer. Surdos e caixas vão para o Japão recheados de plumas e paetês. E eles ainda se divertem. Como cresci falando japonês com meu avô, sempre achei que conseguiria conversar com os japoneses. Ledo engano - só que percebi isso na prática, encarando a japonesada de frente. Ainda bem que tinha a Midori, uma japonesa que mora aqui, que toca tamborim na escola...

De qualquer forma, a cara de japonesa me deu destaque na escola e na ala das Baianas. Fui até matéria de jornal - do Notícias Populares, é verdade, sob a manchete "Dona Outsuka tem samba no pé". Me diverti muito, conheci muita gente interessante, encontrei personagens maravilhosas. Pensando bem, agora eles devem estar escolhendo o samba para o próximo carnaval. Se bobear, acho até que me inspiro e volto a desfilar...

agosto 24, 2002

Era uma ruazinha pequena, bem no meio do ladeirão da Paraíso. Há algumas décadas, só havia um prédio, bem na esquina que marcava o início ou o fim do único trecho plano do pedaço. Conhece o Paraíso? Não aquele que prometem pro andar de cima, mas o bairro, aquele que tem até estação de metrô. Ladeira acima, ladeira abaixo, as pernas ficam fortes e todo mundo tem de ter preparo físico se quiser se aventurar pra fora de casa. Então, num lugar que mais parece campo de treino para cabritos monteses, achar um trecho plano é quase um milagre. E era justamente naquele pedaço que a molecada se concentrava para brincar. Futebol, bandeira, taco, pião, tudo rolava naquele trecho. E bem no meio do quarteirão, ficava a casa onde minha família morava.

Taco era uma temeridade. Quem foi moleque nos anos 50/60 certamente conheceu esse jogo, acho que é uma variação de beisebol, mas não sou capaz de jurar. Os tacos eram pedaços de madeira cuidadosamente lixados pelos respectivos proprietários para ficarem com uma aparência aproximada de um remo mais estreito, achatado numa ponta e cilíndrico em outra. Mas isso era para os mais exigentes. Quase sempre era só um pedaço de madeira, longo e achatado. As bolas batidas às vezes iam longe e o pobre encarregado de resgatá-la tinha de se aventurar ladeira abaixo e depois voltar correndo, antes que o adversário marcasse os pontos que precisava para vencer a partida. E, nesses vôos, a bolinha atingia alvos inesperados. Mas não lembro de ninguém ter ido para o hospital por causa do jogo. Era um jogo masculino e a nós, meninas, cabia o papel de torcer ou ignorar.

Bandeira já tinha a participação de todos. A rua era dividida em dois territórios e a batalha se desenrolava geralmente no final da tarde, depois que todo mundo já tinha voltado da escola e feito a lição de casa. Terminava quando a primeira mãe botava a cabeça pra fora do portão e berrava o nome do(a) filho(a) anunciando o jantar. E era também a atividade favorita quando haviam festas de aniversário. Como todos eram convidados, a criançada toda se reunia. E por criançada entenda-se de todas as idades. E ninguém dava moleza. Foi num desses jogos noturnos que acabei pisando num caco de vidro - o gargalo de um litro de leite que havia escapado de alguma mão - e quase deixei o dedão do pé no meio dos paralelepípedos. O jogo, pra mim, acabou ali e ainda tive de ficar horas com o pé para cima, esperando que parasse de sangrar para minha mãe, branca de susto, fazer um providencial curativo. Um sacrifício imenso e doloroso pra quem não tinha nem chegado nos 10 anos de vida. Mas também não adiantou muito o sermão de minha mãe sobre o meu terrível hábito de andar descalça. Sapato é coisa que não suporto até hoje, mas agora prefiro as havaianas a andar descalça.

Claro que nem tudo era harmonia. E não foram poucas as vezes que as mães entravam no embrulho e acabavam brigando entre si, no meio da rua, cada uma defendendo a própria cria. As crianças, pouco depois, já estavam brincando juntas de novo. As mães, depois de um episódio como esse, geralmente ficavam um tempo sem se conversar... Minha mãe, não. Conhecia todo mundo, se relacionava bem com todos. Na janela da tinturaria, enquanto ela passava peça de roupa após peça de roupa, o desfile era interminável. Sempre aparecia alguém pra dar dois dedinhos de prosa - e alguns dedos eram realmente muito grandes e a conversa parecia que nunca terminava. Agora, lembrando daquela época, me parece que a janela da tinturaria era uma espécie de confessionário. Não lembro de ter ouvido coisa nessa linha, mas acho que até problemas sexuais foram sugeridos por lá. Sugeridos porque sexo não era alguma coisa pra ser falada assim, com naturalidade. Até pra comentar sobre alguém grávida as vozes baixavam, como se fosse alguma coisa muito séria uma mulher engravidar e ter filhos com o próprio marido.

Hoje tenho a impressão de que as mães não precisam brigar pra ficar sem se falar. Aliás, nem é preciso ser mãe pra ficar sem falar com os vizinhos. Aliás, ninguém quase conhece os vizinhos. A tal da vida moderna leva a isso, acho. A gente sai de casa para o trabalho e volta para casa e nem tem idéia de quem mora ao lado. E isso vale para casas e apartamentos, para bairros mais centrais e para os periféricos, sem distinção. Silêncio e desinteresse são bem democráticos, parece. O que antes funcionava, a turma do bairro, foi transferida para a turma do trabalho. Como a maioria dos adultos passa o dia fora de casa, o tal relacionamento social fica mesmo no trabalho. Mas a camaradagem entre vizinhos parece que está com os dias contados - se é que ainda tem alguns dias de vida...

Acho que boa parte dessa falta de conhecimento entre vizinhos vem mesmo do medo. O medo ganha cada vez mais espaço na vida da gente. Então, como posso confiar num vizinho que nem sei de onde vem e o que faz? Claro que se eu conversasse com ele, até saberia que se trata de um bom sujeito, bom cidadão, cumpridor de todos os deveres e com todos os impostos pagos em dia. Mas eu não converso - no máximo é bom dia, boa noite, um comentáriozinho besta sobre o calor ou sobre o frio ou sobre a chuva e olhe lá. Eu, não, vai que o vizinho me interprete mal, vai que ele me ache carente ou oferecida ou metida, ou tudo isso junto? Melhor ficar quieta e ficar bem contente com a minha tchurma, que pode me encher o saco de vez em quando, mas é composta por pessoas iguais a mim, com pensamentos semelhantes e atitudes idem...

Mas também não tenho saudades do tempo em que as mulheres paravam para os dedinhos de prosa com minha mãe. Aquele tempo se foi e, se voltasse, não teria sentido. Além disso, foi período de trabalho duro, de muitas broncas - filha caçula sempre toma na cabeça na hora de se apontar um culpado de alguma arte e nem sempre eu era a culpada - de descobertas absurdas. É estranho, mas não lembro de nenhuma passagem engraçada, daquelas que fazem a pessoa sorrir para o resto da vida quando se lembra do acontecido.

Foi meu período de infância. Só isso. Brinquei na rua, o que é mais do que muita criança pode dizer que fez, hoje em dia. Mas nada além. A adolescência foi bem mais gostosa...

agosto 23, 2002

Tentei colocar umas gracinhas no texto, tipo capitulares (gastei mais de hora montando as letrinhas no Photoshop), mas ainda preciso de mais informações sobre como acrescentar isso tudo. Uma hora eu consigo deixar isso mais com a minha cara. O que vale é que a brincadeira continua...

Acho - não, tenho certeza - que não contei que esta semana inteira estou de folga. Coisa rara... E seria melhor ainda se, ao invés de estar aqui na frente do computador, eu estivesse numa praia, só olhando o marzão besta indo e vindo, sem cansar. O mar é uma das coisas mais lindas que o cara lá de cima colocou aqui embaixo. Mas sou uma pessoa da terra. Um escritor catalão, Josep Pla, escreveu que "o mar é considerado fascinante visto da terra - para colocá-lo como fundo para uma estátua de mármore - e excelso quando visto do bar" - tinha razão. Pessoalmente, prefiro vê-lo da mesa de um bar. E, se for de um daqueles barzinhos ao longo da costa de Cadaqués (Costa Brava, Espanha), melhor ainda. Pode ser também de um daqueles barzinhos nas ilhas da baía de Paraty que têm vistas maravilhosas e estão bem mais perto da gente...

Bar, aqui, não tem conotação de encher a cara. Uma cervejinha bem gelada num dia de calor escaldante é mais ou menos como um oásis no deserto, mas não precisa exagerar. Exageros, já cometi os que quis e pude. Agora, não precisa mais. Isso me lembra uma história, contada por algum bom carioca em alguma festa, sobre um sambista (não me perguntem nomes, juro que não lembro), já com alguma idade, que virava noites de festa em festa. Quando lhe ofereciam alguma bebida, ele respondia invariavelmete "obrigado, já bebi". Quem perguntava, acreditava que ele havia bebido antes de ir à festa. Na verdade, ele se referia à quilometragem que já tinha rodado. Bebera por toda a vida - agora, já tinha bebido... Bom, ainda não cheguei aí, mas a minha capacidade de tancagem anda bem reduzida, provavelmente porque já estou no final da parte que me cabe desse liquifúndio.

Mas eu falava da minha folga. Infelizmente, está acabando. Segunda começa tudo de novo e vamo que vamo. Trabalho não está na lista das dez coisas que mais me entusiasmam. Gosto do que faço, mas gosto mais ainda de fazer um monte de nada. Claro que é preciso ser financiado pra isso. Como não existem mecenas para o nada, o jeito é garantir o pagamento das contas trabalhando. Mas já prometi pra mim mesma que um dia eu chego no monte de nada que vai me permitir fazer uma série de coisas.

Quando digo monte de nada não é ficar à-tôa, sem nada pra fazer. Isso também está incluído, mas não é apenas. Disponibilidade de tempo é alguma coisa que mexe com todos os meus sentidos. Poder fazer o que se tem vontade é uma meta que persigo há algum tempo. Tempo pra ler, ver filmes - em vídeo, DVD ou no cinema, tanto faz -, perseguir as séries nas emissoras a cabo, costurar, bordar, tricotar, crochetar, ir às compras, passear nos shoppings, viajar nem que seja pra Carapicuíba. Pra mim, seria o máximo poder acordar e decidir a programação do dia. Um dia ainda chego lá.

Meu maior exemplo de vida tranqüila são os gatos. Eu os amo, todos, de qualquer tamanho, raça ou cor. Tenho sete em casa, todos lindos, bem cuidados, maravilhosos. Bom, são meus e por isso são melhores que os outros. Vira-latas (ou SRD), todos. Pique, Nina, Bôh, Millá, Tetéia, Gabinha e Branquinha, cada um tem estilo e personalidade próprias. Uma dia conto detalhes sobre eles (elas, na verdade, já que só tem um macho).

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agosto 22, 2002

Aí, de repente, apareceu uma oportunidade de falar de coisas que já tinha vontade de falar, mas não queria deixar fechado numa caixa, feito segredo de Pandora. Não que os efeitos destas revelações tenham o mesmo efeito do conteúdo da caixa de Pandora. Acho que minha mania de grandeza não chega a esse ponto. Bom, nunca se sabe, certo? Mas, como jornalista, a gente nunca escreve pra ninguém. Sempre se espera que alguém leia o que a gente escreve e tire algum proveito disso tudo.

Mas vamos por partes, como diria Jack, aquele velho conhecido nosso. Já disse que sou jornalista e o tema da página já mostrou que não estou mais exatamente na flor da idade. Como redatora - nos velhos tempos, a gente chamava isso de copy desk - o que eu escrevo no jornal tem muito pouco a ver comigo. Aliás, uma amiga muito querida que tem mais ou menos a mesma função, só que em outro jornal, costuma dizer que um dia vai escrever um livro com o título "Ninguém escreve ao copy desk". É verdade. Ninguém nos conhece, ninguém sabe quem somos ou o que fazemos (de vez em quando, nem a gente sabe...) Quando alguém procura por um jornalista numa redação, geralmente sai atrás de um repórter ou do editor. Aquele povinho que rala todos os dias pra acochambrar o texto no espaço disponível sem perder as informações e quebra a cabeça pra arrumar um título no mínimo legível e atraente simplesmente não existe para o mundo em geral. Plínio Marcos costumava falar do povão que berra na geral sem influir no resultado. Pois: nós, redatores, somos mais ou menos isso. Mais ou menos porque, embora briguemos por espaço para as matérias que outros assinam, muitas vezes a assinatura vai num texto que contém as informações do repórter, mas não a forma como ele escreveu. E cá entre nós, muito particularmente, tem gente que recebeu Prêmio Esso com texto de copy desk - e nem agradeceu... Tudo bem, cada um na sua e todos na Difusora, certo? E a gente ganha pra fazer isso... Assim, sem mágoas.

A idéia é escrever de vez em quando, quando a alegria ou a tristeza ou a indignação forem fortes o suficiente pra me colocar na frente do teclado. Sem compromisso de renovar em dia marcado, sem lenço, sem documento, num sol de quase dezembro - apesar de ainda ser agosto de um inverno saarianamente quente.

Não sei se o Pedrão lá de cima tem acesso a Internet, mas, se tiver, é bom que preste atenção para o espirocamento geral do tempo aqui em baixo. É um pedido especial que faço a ele. Nada contra os dias quentes - desde que eles fiquem no espaço de tempo apropriado pra isso. Agora seria tempo de sopa quentinha à noite, vinhos tintos à beira da lareira, fondue, edredons e noites estreladas. Tá, a gente mora em Sampa e aqui as noites dificilmente são estreladas por causa da poluição. Mas este é um assunto pra outra ocasião.