outubro 20, 2002

Aí, de repente, do nada, aparecem três garotos de bicicleta. Quer dizer, eu acho que eram garotos, mas se cruzar com algum deles, em alguma circunstância, não vou poder reconhecê-los. "Passa a bolsa, se não eu atiro", dizia um, com a mão escondida pela camiseta branca, enquanto o outro já puxava a bolsa que eu levava a tiracolo. Ainda tentei segurar a bolsa, mas o garoto puxou e saiu pedalando feito louco. Ele já estava bem longe quando consegui recuperar a voz e gritar "deixe os documentos, pelo menos"... Que ridícula... E não havia ninguém por perto, não passou nenhum carro no momento, nada. Eles vieram, pegaram a bolsa e sumiram.

Assim me tornei mais uma vítima de roubo no Guarujá. Esquina da avenida Miguel Stefano com rua Assis Chateaubriand, bem na frente de uma casa monumental que lembra uma nave espacial pousada à beira da praia da Enseada. Comentava mesmo com uma das amigas que estava comigo – estávamos em três, todas respeitáveis senhoras passando um fim de semana de descanso à beira-mar – que aquela casa me serviu de referência uma época em que fui com as então crianças passar férias no Guarujá. Acordava cedinho e saía para caminhar na praia. Ia até a altura daquela casa e voltava, passava pela padaria, comprava pão fresquinho, leite, se necessário, e, quando chegava de volta ao apartamento, preparava o café da manhã da turma...

Se alguém me perguntar para onde eles foram, só posso responder por aquele que levou minha bolsa. Ele se enfiou pela Assis Chateaubriand, que faz uma curva no meio de um monte de arbustos que nem sei se é mato ou jardim de alguma casa. Os outros, nem vi. O susto foi tão grande que só depois de uns minutos lembrei que na bolsa estavam meus documentos, dinheiro (minha carteira espanhola, tão prática e bonitinha....), minha caneta Mont Blanc da qual tinha tanto orgulho, minha cigarreira caprichosamente bordada em ponto-cruz que continha, além de cigarros, um monte de telefones úteis, minha lanterninha de bolsa, um luxo, presente da Microsoft em algum evento do qual não participei, mas que já havia me quebrado inúmeros galhos, minha bolsinha da Kipling, tão bonitinha e prática, que custou caro pra caramba e, mais importante naquele momento, as chaves do apartamento onde estávamos hospedadas.

Caminhando de volta para o apartamento e rezando para que o zelador tivesse uma outra cópia (a que os ladrões levaram era a cópia que estava com ele, porque a proprietária do apartamento nos havia dado a instrução de pegar as chaves de reserva que ficam com o zelador), vi um orelhão e liguei para o bom e velho 190.

Contei todo o caso para o policial, que foi muito atencioso e me deu todas as instruções. E foi muito claro: antes de ir à delegacia fazer o tal boletim de ocorrência que comprovaria que os documentos tinham sido roubados, era bom cancelar cartões e cheques. Avisou que ia passar um rádio para as viaturas que estavam fazendo as rondas e era tudo o que ele podia fazer naquele momento – e aí perdi as esperanças de reaver qualquer coisa que estivesse dentro da bolsa. Pelos misteriosos desígnios da Lei de Murphy, as rondas policiais nunca estão na área onde acontecem as ocorrências. Por isso é que quando aparece uma viatura que impede alguma coisa, isso vira notícia de jornal.

Entrar no apartamento foi outra novela. O zelador não tinha outra chave. Toca a procurar um chaveiro que, por sorte, morava na rua de cima. Mas, claro, não dava a menor impressão de querer trabalhar. Estava num bar, fazendo sabe-se lá o que. Uma das amigas gastou todo o arsenal que tinha de conversa para convencê-lo que tinha de ir logo ao apartamento. Foi com a maior das más vontades, a passos de tartaruga, pegar as ferramentas. Mas em cerca de 20 minutos conseguiu abrir a porta (foi no meio dessa operação que descobri que ele só poderia mesmo ser chaveiro porque o barulho que ele fez para abrir a porta tirava qualquer credencial que ele pudesse ter como arrombador).

Aí começa outra novela, a de cancelar cartões de banco e de crédito. Claro que eu não tinha nenhum número, nem de telefone nem do cartão. Liguei para casa e, por sorte, um filho estava por aqui. Graças a Deus! Peguei os dados com ele e comecei a ligar. Graças a Deus, também, tinha deixado o celular no apartamento, desligado, e ele estava com toda a bateria. Esta outra operação levou quase uma hora. E toca pra delegacia...

Resumo da ópera: o roubo – é bom que se use o termo correto. Não foi furto, nem assalto. Furto é quando alguém lhe tira alguma coisa sem que você esteja presente. Por exemplo, quando lhe quebram o vidro do carro para levar seu toca-fitas; assalto é quando o elemento utiliza arma para ameaçar. Roubo é quando existe ameaça de agressão – tinha acontecido por volta de 20h00. Às 23h30, estávamos de volta ao apartamento, com dois novos jogos de chaves e a fechadura arrumada, boletim de ocorrência no bolso e todo o tempo pra ter chiliques.

Não teve chilique. Concordamos num ponto: não tínhamos mesmo de aposta pra saber se o garoto estava armado ou não. Mas me deu uma profunda tristeza, que ainda está por aí. É horrível se sentir ameaçada, é horrível ser vítima de violência, é horrível ver levarem coisas pelas quais você tem carinho, é horrível saber que isso acontece todos os dias e ninguém faz nada ou porque não consegue ou porque não quer, não interessa. De onde saem esses meninos? Por que fazem isso? Que tipo de realidade eles vivem?

Alguém nos disse que são viciados e que se interessam só pelo dinheiro que podem conseguir. O resto vai parar no meio de algum matagal, vai para algum riozinho ou até para o mar. Ninguém nunca mais vê. Outro disse que isso vem acontecendo direto no Guarujá, mas que em Santos é ainda pior. Pior? Pimenta nos olhos dos outros é colírio...

De minha parte, roguei um monte de pragas para o garoto que levou a bolsa. Se se realizarem, ele deve estar em alguma cama com o braço quebrado e a cara toda machucada com o tombo que levou da bicicleta. E vai ter seqüelas. O braço nunca mais vai funcionar direito, nunca mais ele vai ser capaz de se equilibrar em cima de uma bicicleta. Não desejei que morresse. No caminho em que ele está, isso vai acontecer bem depressa, em algum tiroteio ou por causa das drogas mesmo.

Agora, é encarar todos os transtornos do acontecido. Tirar outra via da carteira de identidade – e rápido –, pedir nova via do CIC. Cancelar os cheques, eram só três, mas se pode fazer uma festa com isso. E tocar a vida. Com mais medo agora, porque entrei para a categoria de vítima, que ainda não tinha sido. Quer dizer, fui roubada, não, furtada num trem, indo de Barcelona para Paris, mas isso não conta porque foi no exterior. Pensando bem, dizem que Sampa é perigosa, coisa e tal. Mas nunca fui furtada, roubada ou assaltada aqui. Conheço um monte de gente que já foi, até mais de uma vez. Mas eu mesma, pessoalmente, nunca fui.

Então, tenho dois casos pra contar, mas nenhum local. Acho que o melhor que faço é ficar por aqui mesmo. E deixar escrito em algum lugar, pra lembrar sempre: cuidado, viajar pode provocar palpitações, dores de barriga, tremedeiras e muitos transtornos. Fique em casa. E, que Deus me ajude, nunca mais lembrar disso tudo...