agosto 29, 2002

No começo, fiquei indignada. Essa história de isolar os fumantes numa área e ter de abandonar o trabalho para buscar inspiração fumacenta em algum lugar distante me deixou muito, mas muito furiosa. Agora não fico mais tão brava – e até curto. No tal fumódromo a gente encontra todo mundo, de todos os lugares. Conhece todo mundo. E as conversas que rolam... Duvido que os não fumantes saibam do que estou falando - um ex-fumante me confessou que não sente falta do cigarro, mas da convivência que ele propiciava. Convidei-o a ir ao fumódromo de vez em quando pra matar as saudades...

Há algum tempo, um amigo deixou de fumar e coincidiu de, naquela época, viajar a serviço para a Espanha. Na volta, contou que não aguentou a caretice da ala dos não fumantes e foi buscar abrigo e distração junto com os fumantes. Acabou se divertindo muito. Hoje ele não poderia fazer mais isso, não se fuma mais em avião nenhum. Mas a história dele só comprova que o cigarro reúne e aproxima as pessoas – agora, então, que os fumantes estão cada vez mais escanteados, a confraternização em torno da fumaça toma ares de reunião de uma tribo rara e especial. Daí a necessidade de mostrar ao mundo que, na verdade, somos muito simpáticos e divertidos.

E tem mais: no tempo em que era possível trabalhar fumando, queimava-se muito cigarro à-tôa. Os cinzeiros viviam cheios de cinzas imensas, quase do tamanho de um cigarro, porque o fumante em questão tinha acendido o cigarro, dado uma tragada e só foi lembrar dele depois que tinha queimado tudo. Aí, acendia outro que seguia o mesmo caminho. Então, era o reino do desperdício. Hoje, não: quando se vai ao fumódromo, é pra fumar mesmo, um cigarro inteiro. Para curtir o cigarro com vontade e prazer, sem culpa.

Olhe que isso é da maior importância: sem culpa. Acho hipocrisia alguém morar em São Paulo, respirar esse ar totalmente poluído que respira e reclamar que a fumaça do cigarro faz mal aos pulmões. Concordo: fumaça de cigarro incomoda e fumar em ambientes fechados é crime (aliás, gostaria que me explicassem porque o fumódromo de onde trabalho fica numa sala fechada, no meio do andar). Quem fuma tem de ter o cuidado de ver se há uma janela aberta por perto. Se não houver e for muito urgente, o melhor é sair para um local aberto.

Histórias de fumantes, porém, não dão mais o menor Ibope. Só histórias antifumantes – estas têm audiência garantida, pelo menos é essa a impressão que dá a quantidade de matérias veiculadas na imprensa escrita e televisionada. Quer saber? Acho que ninguém mais tem paciência de ler ou ouvir coisas desse tipo.

Fumar é igual preferência sexual: você é ou não é, de acordo com a vontade de cada um. Dá pra largar? Dá – um monte de gente já fez isso, pelos mais variados motivos (já não posso dizer o mesmo sobre as preferências sexuais).

Mas não vou fazer a defesa do cigarro. Sei que faz mal à saúde. Procuro respeitar ao máximo as pessoas que estão à minha volta, não fumo em carros ou em lugares fechados, obedeço cegamente as placas de proibido fumar (mesmo quando embaixo delas tem um cinzeiro cheio de bitucas). Da mesma forma, quero que respeitem a minha opção de fumante. Não me venham com contas sobre o tempo de vida roubado que corresponde a cada cigarro fumado. Sei que provavelmente vou morrer por causa do cigarro, mas não preciso que me lembrem disso. E também sei que vou enterrar muito conhecido não-fumante. Porque a morte é conseqüência natural da vida, que deve ser vivida da melhor forma - e este é um conceito muito pessoal, cabe a cada um decidir o que fazer com a própria vida.

A propósito: alguém, em algum momento da história, já comentou que tudo o que dá prazer faz mal, é proibido ou engorda. Então...

agosto 28, 2002

“Ordem das carmelitas gotosas do coração apetitoso de Maria”. A bobagem – grossa - surgiu no fumódromo, por causa de um colega com gota, que a gente anda chamando de Zé Gotoso. Ele reclamava que a gota impõe um regime em que não se pode comer nem fazer nada e que a única solução era entrar para a ordem das carmelitas descalças. Depois pensou melhor: “Descalço não dá, machuca o pé. Será que pode ser de havaiana, pelo menos no pé direito?” E como dizia o velho Millor, livre pensar é só pensar. E seguiu-se uma fieira de asneiras que desaguou na tal ordem.

E como livre pensar é só pensar, lembrei da ocasião em que criei uma ONG em prol da preservação das lenitinhas, animais em extinção – só se conhece um espécime vivo -, fofinhos, de pelagem curta, extremamente simpáticos e preguiçosos. Não são predadores, preferem passar boa parte do tempo dormindo, mas são excelentes companheiros. Em boa companhia, esquecem o sono e o cansaço. Não deu certo, ninguém levou a sério. Nem a gente.

Depois do fechamento, não dá pra ser sério. Aliás, não dá pra ser sério nem durante o fechamento, sob pena de se enlouquecer rapidamente, tamanha é a pressão da hora. Depois, corre-se atrás do prejuízo. O segundo clichê é a edição revista, corrigida e melhorada – bem melhorada. Quem disse que a pressa é inimiga da perfeição deve ter trabalhado em jornal diário.

Redação tem umas coisas muito engraçadas. Há algum tempo, um colega descrevia as pessoas que trabalhavam lá como “o mais bonzinho aqui lambe o chão”. E é meio por aí. Claro que na tal hora do fechamento não tem graça nenhuma. Todo mundo enfia o nariz no monitor e desabala os dedos no teclado pra acabar rapidinho. Há um horário a ser cumprido.

Mas é uma cachaça. Vicia. A gente xinga, esperneia, acha ruim, mas, se fica longe durante algum tempo, sente saudades. Não sei explicar o porquê. É assim, da mesma forma, pra todo mundo. Pode-se até ir para publicações mais tranqüilas, que não adianta. Todo mundo sente falta. Alguns nem voltam e aí, em conversas, percebe-se aquele travo de nostalgia, de tristeza por não estar participando mais da correria. Gosto mais besta, né? Pois...

Essa coisa de ONG também é engraçada. A história da proteção às lenitinhas surgiu num período de férias em Paraty, quando soubemos que havia um japonês circulando pela região, que representava alguma grande entidade japonesa e buscava conhecer ONGs brasileiras para dar ajuda financeira. O japonês, que não cheguei a ver, mas me contaram, estava, na verdade, se divertindo à toda. Uma noite ia dançar forró no salão de não sei onde, no dia seguinte tinha passeio de barco pelas ilhas, depois jantar com tal autoridade e por aí afora. Não sei se chegou a dar ajuda a alguma entidade, mas montamos toda a cena de apresentação da nossa ONG, a das lenitinhas. Incluía até discurso em japonês, que continuo sem saber até hoje...

É impressionante como, nas férias, a imaginação vai a mil por hora. É questão de segundos largar tudo – casa, trabalho, família – para ficar em algum bom lugar, com alguma nova profissão que saiu do nada. Nessa linha, já tive pousada, restaurante, livraria e café, loja de souvenir, representação de artesanato local. Vi casas e apartamentos nos mais variados locais, no Brasil e no exterior. No fim, continuo por aqui mesmo – mas os sonhos continuam valendo.

agosto 27, 2002

Falei em medo e acabei me dando conta de que está aí, de fato, o grande sentimento deste século. Ele foi crescendo, se avolumando ao longo dos anos e chegou num ponto em que até ficar trancado em casa pode dar medo. A que ponto chegamos...

Não se trata de saudosismo, mas acho que as coisas não eram bem assim há uns 30 anos. Bom, naquele tempo haviam pessoas medrosas, mas não era como hoje, esse perigo implícito que ameaça um simples passeio perto de casa. Ou será que a gente, depois de uma certa idade, começa mesmo a ficar mais medrosa? Esta é uma possibilidade bem boa de ser estudada...

Uma velha amiga, por sinal já falecida, costumava contar que toda vez que esquecia alguma coisa pensava imediatamente que se tratava de um problema de idade e ria muito. Ela pertencia àquela rara categoria de pessoas que não tem problema com a idade e encarava tudo numa boa, sempre se divertindo muito. Além disso, a gente vive esquecendo coisas. Na maioria das vezes, são coisas sem importância. Mas o esquecer faz parte da rotina de todo mundo. Pode dar algum problema, mas raramente é coisa séria.

Outra amiga conta que a memória dela está ficando cada vez mais seletiva. Ela lembra de coisas que acha que interessa. O que não interessa é deletado no ato. E, claro, tem aquela que já vai avisando que nunca lembra de nada - nem de tomar memoriol todos os dias...

Pessoalmente, acho que é uma questão de espaço. Se a mente humana é igual a de um computador, com vários arquivos, não há gigabyte que aguente o tanto de informação que recebemos todos os dias depois de muitos anos sem reposição de placas. E infelizmente não se trata só de limpar. Entrou na memória, não sai mais. É a mesma coisa em relação às peças. Num computador, dá pra limpar tudo, reformatar o disco e recomeçar do zero. Com a gente, não. Deve ser o tal do elemento humano que atrapalha o sistema, aquele periférico que fica na frente do teclado...

Mas existem coisas que não precisariam ser lembradas e que deveriam vir com um botãozinho de delete pra ser acionado sempre que fosse preciso. Nas aventuras de Harry Potter me encantou uma tigela que o professor Dumbledore tem na sala dele, cheia de um líquido prateado parecido com mercúrio, chamada Pensieve. Quando alguém aproximava a cabeça da tigela, via um monte de imagens aparentemente desconexas. Funcionava assim: toda vez que Dumbledore sentia que estava com pensamentos demais na cabeça, ele tocava a testa com a varinha de condão e extraía esse líquido prateado, que eram os pensamentos dele. Jogava tudo na tigela e depois, com a cabeça mais leve, examinava as imagens com atenção e isenção. Fiquei maravilhada com a possibilidade de se colocar os pensamentos de forma a poder examiná-los com o distanciamento necessário para se chegar a qualquer conclusão. E mais entusiasmada ainda em imaginar que os pensamentos são prateados e fluidos. Os mágicos de Hogwarts têm lá seus problemas, mas também contam com recursos incríveis - afinal, são mágicos...

Historinhas de criança, dirão alguns. Que eu adoro. Sempre que possível, leio alguma coisa dessa literatura que dizem ser infanto-juvenil, mas que leva qualquer pessoa com um mínimo de imaginação para lugares incríveis e em situações deliciosas. Livros são, para mim, muito mais intensos do que o cinema ou a televisão. Mostram muito mais, deixam muito mais para a imaginação decidir. Romances são as maiores fontes de prazer que alguém pode ter. Uma hoa história, com começo, meio e fim bem amarrados, bem contados - isso vale noites sem dormir. O real tromba comigo todo santo dia no trabalho, não preciso dele pra tocar minha vidinha. Quem cobra realidade de cinema, teatro ou livro deve viver bem longe da Terra... Quero muita ficção, desvairada, criativa, intensa. Muito faz de conta, onde possa me refugiar de vez em quando, pra me isolar dos vários novos medos que andam me atormentando.

Os espanhóis costumam dizer que viver com medo é viver pela metade. Então, tem muita gente simplesmente deixando de viver nesse mundo do Senhor meu Deus. Desconfio que estou entrando para essa turma...

agosto 26, 2002

Todo dia ela faz tudo sempre igual. Mas com uma competência de dar inveja. O café vem forte certo, perfeito para receber o pingo de leite e ficar com aquele tom de marrom leitoso. Depois, ela encosta num canto da mesa e conta tudo o que aconteceu – com ela, é claro - desde a hora em que saí de casa, na tarde anterior, até aquele momento. Há dias em que as aventuras são saborosas e merecem um ouvido atento. Noutros, meio ouvido é o suficiente. Mas espero que ela não tenha notado isso.

Adelina – este é o nome dela – é assim. Está em casa já há 10 anos e se tornou a companheira perfeita. Faz bolos e sobremesas deliciosas e, o que é melhor, transforma o trivial em coisa rara. O feijão é imperdível e tem gente que vem de longe para uma refeição caseira, só por causa dele.

Uma das histórias mais malucas que a De – é assim que a chamamos – contou nos últimos dias foi o assalto no ônibus em que estava. Ia para casa e dois homens, um deles armado, levaram o dinheiro todo que o cobrador tinha. Não era muito. “Cobrador agora anda esperto, logo guarda o dinheiro no caixa pra ladrão não pegar”, ela me contou. Mas o ladrão não gostou e ameaçou o cobrador de morte. Acabou tudo bem, os dois desceram com o dinheiro que conseguiram e nem molestaram os passageiros. Mas a De ficou traumatizada – era o terceiro assalto, só neste ano. De lá pra cá, qualquer cidadão que suba no ônibus naquele ponto, pra ela, é suspeito. E na sexta-feira, quase que ela tem um ataque: sobe um rapaz, justo ‘naquele’ ponto, com um volume sob a camiseta, bem na altura da cintura. Na hora de passar pela roleta, ele levantou a camiseta – ela gelou. Mas era só a carteira que ele carregava na cintura. “E a barriguinha dele era interessante, De?” “Sei lá, nem olhei...”

Medo é mesmo uma coisa terrível, que não dá pra controlar. E não adianta racionalizar. Na hora H, não tem raciocínio que resista. Das emoções que podem devastar um ser humano, o medo é o pior. Devasta mesmo. E, às vezes, nem tem causa. Já vi marmanjo totalmente transtornado por causa de uma enorme e assustadora... barata. Um amigo desenvolveu uma técnica que não dá muito certo, mas pelo menos é engraçada. Ele fica olhando a barata – bem de longe, claro – e dizendo pra ela: “Você não existe. Você é fruto da minha imaginação doentia”. Repetidamente, como um mantra, até a barata se meter em algum bom buraco e sumir da vista dele. Este mesmo ser, cujo nome não conto pra não comprometê-lo, ficou pelo menos umas duas horas empoleirado na mesa da cozinha do apartamento onde morava até aparecer uma alma salvadora que matasse o apavorante invasor.

Depois que tudo passa, a gente morre de rir. Mas a graça só vem depois. Na hora, tudo o que a gente quer é ser engolido pela terra e sumir da vista daquilo que nos apavora. Pra minha sorte, meu medo maior é de cobras, o que me evita o risco de ter ataques no meio da rua, como acontece com quem tem pavor de baratas e ratos. Pelo menos em São Paulo não corro o risco de cruzar com uma delas nas ruas e e evito freqüentar locais próximos do Instituto Butantã. Minha área limite compreende pelo menos um quilômetro em torno do instituto – e com algumas ressalvas e cuidados. Por exemplo: tem de ser em dia sem vento, porque se uma folha, levada pelo vento, encostar acidentalmente na minha perna, pode esperar pelo vexame...

Agora, totalmente incompreensível é o fato de minha irmã, cujo pavor maior são as lagartixas – ela interrompeu a lua-de-mel por causa delas – dar de presente a meu filho nada mais, nada menos do que uma iguana, uma lagartixa verde e com mania de grandeza...

agosto 25, 2002

As frésias, na sala, espalham um perfume docemente discreto e enchem de cor o espaço perto da janela. São efêmeras, duram umas duas semanas - depois, só no ano que vem. Mas os vasos podem ser repostos, o que garante mais tempo de cor e perfume.Quem me conhece deve estranhar essa referência a perfume. Não gosto de cheiros fortes pela casa, na roupa, em pessoas. Perfume bom é uma vaga referência, alguma coisa gostosa que a gente não sabe bem de onde vem, mas não reclama se aparece e também não tem necessidade de sair procurando. A gente sente e pronto.

Claro que muita gente não concorda com isso. E está certo. O que seria dos fabricantes de perfumes se todo mundo pensasse como eu? Paris não seria Paris, capital do perfume. Eu passo mal quando enfrento aqueles corredores dos grand magasins com os mais variados cheiros, quase todos muito doces. E olhe que não sou diabética... Gozado, porque todo perfume forte é doce. Os cítricos não se destacam. Os de madeira, então, chegam à beira do insuportável. Quando entro num elevador por onde passou alguém ou junto com um "cheiroso", tenho de me conter pra não soltar um comentário maldoso do tipo "acho que hoje a água não deu pro banho". Puro preconceito, reconheço. Por isso não falo nada. Mas acho insuportável.

Uma amiguinha - amiguinha porque é muito jovem -, aliás, está indo para uma temporada de seis meses em Paris. Acho uma oportunidade única, que todo jovem deveria ter e enfrentar. Não precisa ser Paris, qualquer lugar no exterior serve. Viver fora de casa, sozinho, por conta própria (mesmo que o dinheiro venha dos pais), falando um outra língua e convivendo com outros costumes é, de fato, um experiência preciosa. É preciso ir fundo, mergulhar nos costumes, se misturar às pessoas, viver a cidade e, por tabela, o país. Pena que não tive a chance de fazer isso quando jovem.

Minha primeira viagem ao exterior foi para a Argentina - se é que Argentina pode ser chamada de exterior. Numa semana de carnaval, lá fui eu. Foi um deslumbre. Descobri que conseguia falar um espanhol razoável, mas não me atrevia a abrir a boca. Puro medo: vai que eu falasse alguma coisa errada? Essa história de que a gente tem de estudar muito pra falar bem uma língua sempre me atormentou. Com isso, consigo ler e entender algumas línguas mas... falar?!?! é um extremo sacrifício. Mesmo sabendo que, quase sempre, as pessoas de outros países acham maravilhoso que os estrangeiros tentem falar a língua deles. O Guga, por exemplo. O inglês dele é de arrepiar os cabelos de ruim, mas os americanos acham o sotaque dele charmoso. E o Matthew Shirts conta, muito divertido, sobre a festa de aniversário do filho do Mário Prata com a Marta Góes. O Mateus (agora ele já virou Mateus) passou horas conversando com a Marta, que depois comentou com o Prata sobre aquele amigo dele de Piracicaba: "ele ainda tem um sotaque forte, né?"

Então, falar outra língua é mais do que um desafio pra mim. É impossibilidade mesmo. Não adianta dizer que eu sei. Eu sei que sei. Mas na hora H, necas. Teve um gringo que baixou aqui em casa uma ocasião, o John - juro que o nome dele é mesmo John, não estou invetando -, com quem acabei fazendo amizade. Com ele eu conseguia conversar com alguma fluência, mas acho que é porque ele também mostrava interesse e se esforçava em entender. Grande sujeito, o John. Grande mesmo - gordo, cara redonda e meio vermelha, olhinhos azuis. A filhinha de um amigo, quando olhou pra cara dele, perguntou pro pai: "é o Papai-Noel?" Parecia mesmo. Por onde andará o John a estas alturas? Certamente navegando de barco pela costa oeste americana - o homem, quando o conheci, morava em Washington e tinha um barco para passeios em fins de semana. Depois de alguns anos, mudou-se para a Califórnia e levou o barco, por terra. Na última vez que o vi, já estava instalado na nova casa, com o barco e um gato.

Lembrar do John me remete à vez que o levei à Vai-Vai, minha escola do coração, embora eu tenha sumido da quadra. Era uma noite de ensaio e eu fiz questão de mostrar a ele a roupa que eu ia usar na avenida (ala das Baianas, não podia estar mais coberta), de apresentá-lo aos diretores da escola, de mostrar tudo. Fomos tomar uma cerveja no boteco em frente à quadra quando estoura uma briga monumental, bem ali ao lado da gente. Foi um corre-corre danado e eu tendo de explicar ao gringo que aquilo não era comum, não, mas acontecia de vez em quando, as pessoas se exaltavam, coisa e loisa. Isso tudo em inglês!

Mas mais engraçado ainda foi quando apareceram por lá os japoneses que aparecem todos os anos. Eles têm um esquema muito doido, os japoneses. Chegam sempre em torno da quarta-feira logo anterior ao carnaval. Já deixam sempre encomendadas as fantasias do ano seguinte, pagam tudo direitinho, compram um monte de instrumentos, desfilam e na quarta-feira de Cinzas já estão embarcando de volta. Como eles costumam sair em escolas de samba no Japão, vêm especialmente para se abastecer. Surdos e caixas vão para o Japão recheados de plumas e paetês. E eles ainda se divertem. Como cresci falando japonês com meu avô, sempre achei que conseguiria conversar com os japoneses. Ledo engano - só que percebi isso na prática, encarando a japonesada de frente. Ainda bem que tinha a Midori, uma japonesa que mora aqui, que toca tamborim na escola...

De qualquer forma, a cara de japonesa me deu destaque na escola e na ala das Baianas. Fui até matéria de jornal - do Notícias Populares, é verdade, sob a manchete "Dona Outsuka tem samba no pé". Me diverti muito, conheci muita gente interessante, encontrei personagens maravilhosas. Pensando bem, agora eles devem estar escolhendo o samba para o próximo carnaval. Se bobear, acho até que me inspiro e volto a desfilar...