agosto 28, 2002

“Ordem das carmelitas gotosas do coração apetitoso de Maria”. A bobagem – grossa - surgiu no fumódromo, por causa de um colega com gota, que a gente anda chamando de Zé Gotoso. Ele reclamava que a gota impõe um regime em que não se pode comer nem fazer nada e que a única solução era entrar para a ordem das carmelitas descalças. Depois pensou melhor: “Descalço não dá, machuca o pé. Será que pode ser de havaiana, pelo menos no pé direito?” E como dizia o velho Millor, livre pensar é só pensar. E seguiu-se uma fieira de asneiras que desaguou na tal ordem.

E como livre pensar é só pensar, lembrei da ocasião em que criei uma ONG em prol da preservação das lenitinhas, animais em extinção – só se conhece um espécime vivo -, fofinhos, de pelagem curta, extremamente simpáticos e preguiçosos. Não são predadores, preferem passar boa parte do tempo dormindo, mas são excelentes companheiros. Em boa companhia, esquecem o sono e o cansaço. Não deu certo, ninguém levou a sério. Nem a gente.

Depois do fechamento, não dá pra ser sério. Aliás, não dá pra ser sério nem durante o fechamento, sob pena de se enlouquecer rapidamente, tamanha é a pressão da hora. Depois, corre-se atrás do prejuízo. O segundo clichê é a edição revista, corrigida e melhorada – bem melhorada. Quem disse que a pressa é inimiga da perfeição deve ter trabalhado em jornal diário.

Redação tem umas coisas muito engraçadas. Há algum tempo, um colega descrevia as pessoas que trabalhavam lá como “o mais bonzinho aqui lambe o chão”. E é meio por aí. Claro que na tal hora do fechamento não tem graça nenhuma. Todo mundo enfia o nariz no monitor e desabala os dedos no teclado pra acabar rapidinho. Há um horário a ser cumprido.

Mas é uma cachaça. Vicia. A gente xinga, esperneia, acha ruim, mas, se fica longe durante algum tempo, sente saudades. Não sei explicar o porquê. É assim, da mesma forma, pra todo mundo. Pode-se até ir para publicações mais tranqüilas, que não adianta. Todo mundo sente falta. Alguns nem voltam e aí, em conversas, percebe-se aquele travo de nostalgia, de tristeza por não estar participando mais da correria. Gosto mais besta, né? Pois...

Essa coisa de ONG também é engraçada. A história da proteção às lenitinhas surgiu num período de férias em Paraty, quando soubemos que havia um japonês circulando pela região, que representava alguma grande entidade japonesa e buscava conhecer ONGs brasileiras para dar ajuda financeira. O japonês, que não cheguei a ver, mas me contaram, estava, na verdade, se divertindo à toda. Uma noite ia dançar forró no salão de não sei onde, no dia seguinte tinha passeio de barco pelas ilhas, depois jantar com tal autoridade e por aí afora. Não sei se chegou a dar ajuda a alguma entidade, mas montamos toda a cena de apresentação da nossa ONG, a das lenitinhas. Incluía até discurso em japonês, que continuo sem saber até hoje...

É impressionante como, nas férias, a imaginação vai a mil por hora. É questão de segundos largar tudo – casa, trabalho, família – para ficar em algum bom lugar, com alguma nova profissão que saiu do nada. Nessa linha, já tive pousada, restaurante, livraria e café, loja de souvenir, representação de artesanato local. Vi casas e apartamentos nos mais variados locais, no Brasil e no exterior. No fim, continuo por aqui mesmo – mas os sonhos continuam valendo.

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