novembro 08, 2006

Ainda o esquecimento. Do ônibus, vi um velhinho japonês que me lembrou no ato do velho Kato-san. Acho que ele nem era tão velhinho, mas como eu era muito menina, a impressão que ele me dava é de um ser centenário. O velho Kato-san era meio que um padrinho do meu pai – foi padrinho do casamento dele, nas duas cerimônia, a japonesa em 1944 e a brasileira, em 1964 -, uma espécie de mentor. Quando batia uma dúvida na cabeça do seu Jorge, era o Kato-san que esclarecia, o que dá a medida do respeito do velho Jorge pelo velho Kato.

A última vez que vi Kato-san já estava casada e com filhos (não sei se todos). Estava muito, muito velhinho. A cabeça toda branca, os cabelos na altura do ombro, pequenino e magrinho (com certeza ele não passava de 1m50 – e a mulher dele era menor ainda!). Usava uma boina que lembrava as usadas pelos bascos, meio de lado, parecia um bonequinho. Continuava ativo, falante e risonho. Depois, nunca mais tive notícia.

Mas o velhinho que vi do ônibus me lembrava o Kato-san da minha infância, quando ainda comandava a tinturaria ABC numa casa imensa na Domingos de Moraes, mais ou menos onde está hoje a estação Ana Rosa do metrô. Tinha uma penca de filhos, seis ou sete ou mais, e todos ajudavam lavando, passando, entregando roupas. Não lembro de todos. Nomes, só de uma, a Marli, que estudou com a Juju. Teve outra, minha contemporânea no Roosevelt, cujo nome devo ter feito questão de esquecer – não gostava dela e ficou pior quando ela foi dizer para o meu pai que eu não era bem vista na escola por andar só com os gaijin e viver metida no grêmio. E tinha aquela - Tieko? -, mais velha e muito legal com as crianças.

Mas conto tudo isso porque me assaltou uma dúvida em relação aos meus esquecimentos. Dizem que quando a caduquice ataca, a memória recente some. Em compensação, a memória antiga fica cada vez mais forte. Minha dúvida é a seguinte: quando a memória recente vira antiga? Uma semana? Um mês? Hoje não lembro o que fiz ontem - daqui uma semana vou lembrar?

Alguém conhece algum bom memoriol?

novembro 07, 2006

Décadas sem escrever. Tempo não faltou, faltou vontade e coragem. Mil coisas passaram pela cabeça, mas, na hora H, tudo sumiu. E continuam sumindo. Consigo lembrar antes. Nunca na hora e sempre depois. E aí, as multas já estão correndo...

Será que é a idade? Procuro lembrar de como foi com minha mãe. Primeiro foi o derrame, depois veio o esquecimento. Não de tudo, mas de algumas coisas. No meio disso tudo, teve a perda de movimentos, da coordenação motora. Desde muito mocinha que observo muitas coincidências entre o que acontece comigo e o que aconteceu com ela. Mas espero não dar repeteco nesse final de vida. Foi angustiante pra mim, não quero que seja para meus filhos. Mas só quem viver, verá...

“...e agora a minha mãe esquece dos ocorridos de um dia inteiro”, diz a Simone, na forma de escrever tão bonita e criativa que ela usa no blog da Wicca. Isso me fez pensar nos lapsos de memória que ando tendo, cada vez mais freqüentes. E se um dia pensei que era resultado do excesso de coisas na cabeça – chega uma hora acaba a capacidade de armazenamento do slot de memória -, agora acho que pode ser sinal de alguma coisa não muito boa pro mundo à minha volta, mas abençoada pra mim. Ou o esquecimento não é um estado de graça?

De qualquer forma, parece que estou bem acompanhada.

Só espero me lembrar disso...