julho 27, 2006

Era uma mulher, Hatsue. E três homens: Tsuneyuki, Yoshiyuki e Naohiro, nomes que lembram nomes de nobres samurais japoneses, para serem ditos com a boca cheia de orgulho. Todos Abe. No Brasil, viraram simplesmente Maria, José, Antônio e Naco. Pra mim, minha mãe e meus tios.

Vieram parar aqui ninguém nunca me contou porque, mas desconfio, por relatos ouvidos no passado, que meu avô, o velho Eijiro, era dado a jogar jogos proibidos pelo governo japonês. A história mais divertida conta que ele voltou para casa, alta madrugada, saltando de um telhado para outro, porque estava fugindo da polícia. Então, acho que eles vieram pra cá mesmo fugindo de uma ameaça de prisão. E não vamos esquecer que lá, como cá, dívida de jogo é dívida de honra. E dependendo de quem é seu credor, paga-se com a vida mesmo... Mas aí é coisa de minha cabeça, que acha mais divertido ter um avô fugido do que um simples imigrante...

Mal chegaram e a dona Masae, a sra. Abe, minha avó, ficou doente e morreu. Hatsue, como a mais velha, foi cuidar dos irmãos – o mais novo, Naohiro, mal tinha completado um ano (só conseguiu vir para o Brasil porque meu avô falseou a data de nascimento dele, só podiam vir bebês com mais de 6 meses) e foi criado por ela, que, na época, tinha uns 12/13 anos.

Depois que se tornaram Maria, Zé, Antônio e Naco (“um pedaço de alguma coisa”, dizia meu tio quando explicava o apelido), ajudaram o pai durante um tempo e cada um foi cuidar da própria vida. Ela casou com Isamu (seu Jorge, o Kosugui-san), teve quatro filhas (a terceira foi levada pela meningite). Zé casou com Sumiê (a Oba-tchan), teve Gilberto, Sérgio, Carlos e Marcelo (todos eles têm nome japonês, também, mas só lembro dos três primeiros; Seiti, Kenji e Sussumu). Antônio desvirtuou: com convites impressos pra casar com uma moça, teve de casar com outra, às pressas: Iracema, além de brasileira, estava grávida. Nasceram, então, Sônia, Emília, Roberto e os gêmeos Marcos e Márcio – a mais velha tem Kayoko como segundo nome, copiando o meu segundo nome, Kioko; Roberto é Minoru; Marcos e Márcio são Eiji e Yuji, não sei se nessa ordem.

Meu tio Naco foi mais ou menos como um irmão mais velho nosso, uma vez que estava sempre por perto e veio morar com a gente quando eu entrava na adolescência. Ele queria casar com Luiza, a Tchan-Tchan (é apelido, não insulto), mas não conseguia juntar dinheiro pra isso, apesar de ganhar razoavelmente bem. Dona Maria não teve dúvidas: botou o cara em casa e ficava com todo o salário dele. Só liberava a graninha da condução e um pouco a mais para eventuais farrinhas. Pouco mais de um ano nessa vida e ele juntou o suficiente para casar, dar uma festança, mobiliar a casa e ainda viajar em lua de mel. Dona Maria não era de brincadeiras...

Fui dama de honra do casamento, com um vestido de laise maravilhoso, branco com forro rosa clarinho. Já era grandinha pra isso, mas minha tia não quis saber: era eu e pronto. Convivi com o casal bastante tempo, passava fins de semana com eles. Era uma viagem: ia
do Paraíso até Capela do Socorro. De bonde, o velho Santo Amaro, a última linha a ser desativada na cidade, até o ponto final. E ainda tinha uma caminhada até a casa deles. Bons tempos.

Patrícia, a primeira filha, foi o primeiro bebê que peguei no colo. Depois vieram Márcia, Eduardo e Simone – esta, mal conheci porque meus interesses já eram outros e precisava fazer meu caminho.

Dos quatro irmãos, minha mãe foi a primeira a ir. Depois foi tio Antônio. Agora foi tio Naco. Restou o velho tio Zé, aquele que sempre tirava uns trocados no bolso pra gente comprar doce. O que abrigou e cuidou do velho Eijiro na casa da Tabapuã, 900, que nem existe mais. O que ficou com meu cachorro Lulu quando ele se revelou incontrolavelmente irascível com pessoas de cor - coisa que em tinturaria não dá nem pra pensar.

Que o tio Zé ainda fique um bom tempo com a gente...

julho 25, 2006

Exata uma semana depois do último post. E um bocado de coisa rolando.

Transitei, por motivos que não são meus, por um mundo que desconfiava da existência, mas desconhecia por completo: o das pessoas que fazem cirurgia plástica. Muita gente vai dizer que é o endereço da fogueira das vaidades. Outros podem achar que se trata de superficialidade demais. E vai ter até quem se interesse pelo assunto. Eu fui de xereta e acompanhante.

Fiquei espantada. É um tal de tira gordura de onde está sobrando, põe gordura onde falta. Levanta peito, bumbum e não sei mais o que. Implanta-se cabelos em carecas luzidias. Fiquei o tempo todo lembrando de Nip/Tuck, o seriado da Fox que tem dois cirurgiões plásticos que pelo menos nos programas que vi passam boa parte do tempo aplicando botox na cara de mulheres despencadas. E invariavelmente eles iniciam a consulta com a pergunta: o que você não gosta em você?

De quebra, saiu uma matéria na Cláudia sobre o progressivo número de adolescentes, meninas de 13, 14, 15 anos, que se submetem a cirurgias pra corrigir o que a natureza lhes deu e elas não querem. Presente de aniversário não é mais uma viagem a Disney: é cirurgia plástica. Aí fiquei apavorada: como alguém com tão pouco tempo de vida pode saber do que gosta ou que não gosta em si mesma?

Mas acho que falta a essas pessoas um pouco de informação sobre o que vem antes das melhorias. Todo mundo embarca nessa achando que vai sair da clínica um verdadeiro arraso, já formatada do jeito que queria e entrando naquele traje especial, arrasando. Ledo engano. Na verdade, só engano, porque alegria passa bem longe... Todo mundo sai da clínica se arrastando e gemendo.

Neguinha sai de uma aventura dessas cheia de dores e manchas roxas pelo corpo. Isso logo no primeiro dia. Manchas que vão se acentuando, ficando cada vez mais escuras e concentradas emalgum ponto com o passar dos dias. E inchada – mas não era pra ficar mais magra? –, inchaço que vai durar um bom tempo (de 2 a 3meses) pra sumir. Tudo isso sem falar das dores. Neguinha se esquece que é uma cirurgia, sim. O médico corta a gente, sim – em alguns casos, até quebra ossos pra reconstruir a forma. Médico não usa vara de condão nem é fada madrinha. Usa bisturi mesmo e cobra caro. E as dores? Dói pra caramba, durante um tempo. A sensação, me contaram, é a de que se tomou uma surra homérica – e ninguém foi parar na delegacia.

Ou seja: a parte alegre, de se gostar mais, demora um bom tempo pra vir. E ninguém avisa sobre isso antes. E muita cabeça pirou nesse período.

Diante disso, meu instinto de preservação me fez gostar mais de mim mesma...

***

E hoje o dia foi cheio: acordar às 4 da madrugada já é uma aventura. Sair de casa às 5 pra pegar o metrô é outra. E viajar para a Praia Grande, para enterrar um tio, é triste. Chegar em casa antes do meio-dia e sentir que já fez tudo o que tinha de fazer sabendo que ainda tem um mundo de coisas para fazer não é legal. Pior é descobrir, à noite, que não se fez tudo o que se tinha de fazer, por puro esquecimento.

O dia foi longo e ainda não acabou...