abril 07, 2006

Trautear ou tartamudear?

Enquanto ouvia o rapaz sentado à minha frente, no ônibus, cantarolar ao som que só ele ouvia no CD-player, me peguei lembrando desses dois verbos que ninguém mais usa e acho que muitos nem conhecem. Era uma dessas duas coisas que o cara estava fazendo. Mas – qual?

Porque, na verdade, o cururu não estava cantarolando. Cantarolar é cantar trechos de uma música, ao acaso. O cara, não. Ele cantava a música, mas só através de sílabas – tinha até um grupo vocal jazzista que ficou famoso só fazendo isso (é verdade que não lembro o nome, mas que eles era famosos, isso eram) e o coro do Ray Coniff, nos bons tempos, também fazia isso, com as sílabas se confundindo com os instrumentos.

Jurava que era tartamudear. Mas o bom e velho Aurélio, nosso pai, me indicou que não. Tartamudear é gaguejar. O que o cara fazia era trautear.

Então, era isso: tinha um cara trauteando na minha frente no ônibus. E estava divertido, embora eu não tenha conseguido reconhecer a música. Ele sacudia os ombros, batia com os dedos na perna. Como estava sentado naqueles bancos de um só, não precisava se preocupar com o vizinho. Parecia bem feliz, o rapaz... Mas me deixou uma pulga atrás da orelha.

Ainda bem que a gente tem um Aurélio aqui pra matar pulgas...

abril 06, 2006

O gato subiu no telhado. Aliás, o Bôh subiu no telhado. Aliás, o Bôh vinha dormindo na chaminé da churrasqueira há vários dias. Isso não ia dar boa coisa...

Bôh, historicamente, dorme em lugares altos e cai. Dorme tão profundamente que relaxa, se estica, perde o equilíbrio e despenca. Foi assim quando cismou de dormir em cima da televisão. Depois de alguns, tombos, desistiu. Arrumou outro canto. Foi pra cima do aquário. Também caiu. O ideal seria que ele se fixasse em cima da cama, do sofá, de alguma poltrona. Ou mesmo no chão – do chão não passa, certo?

Mas a larica de altura dele sempre falava mais alto. Gostava de ficar por cima. Nem sei se conseguia observar muita coisa, porque, como bom gato, cumpria religiosamente suas 18 horas de sono. E relaxava, se esticava e se espreguiçava. E caía.

Ontem, ele caiu da chaminé. E hoje ele foi buscar lugares mais altos, onde ele pode se espreguiçar, esticar e relaxar sem problema nenhum.

Bôh se foi.

Diga pro Chiquinho que eu mandei lembranças, Bôh... E vê se não monopoliza o santo, como costumava fazer com as visitas que vinham em casa...

abril 04, 2006

Insumo. Toda vez que trombo com essa palavra lembro de uma designer para quem trabalhei há alguns muitos anos. A matéria não rendia, ninguém queria falar, explicar como aquele determinado produto era obtido a partir de alguma boa matéria prima. Acho que era segredo industrial, mas, claro, a gente é repórter e não me venha com essa de segredo que não cola. Aí eu explicava as dificuldades da tal matéria para a tal designer que calhava de ser a minha empregadora, quando ela me saiu com essa: ‘é complicado, né, escrever sem insumo’.

Pra mim, insumo tem a ver com agricultura, agronegócio, terra, plantação, cultivo. Nunca com informação. Mas, pra ela, era sinônimo. E, em economia, também é sinônimo. No meu ouvido continua soando como grão e adubo. E a matéria que falava em insumo nem era de agronegócio, nome chique que deram para as chamadas atividades do campo.

E teve outra pérola hoje: alguém “fez um alerta ontem de que os spreads dos títulos dos países emergentes estão baixos demais, por causa da enorme liquidez global e podem não refletir corretamente o risco de se investir naquelas economias. Os spreads são o adicional de rentabilidade (que reflete o maior risco) dos títulos em relação aos papéis equivalentes do Tesouro americano”. Como quem escreveu entende do assunto, suspeito que não seja bobagem. Mas eu não entendi nada – e ainda tiver de botar título nisso aí...

E agora, como tomamos um furo com o desejo de nacionalização do petróleo da Venezuela, temos de ficar vigiando todo o noticiário internacional pra não comer bola. Como sempre, sobrou pra mim o bagaço da laranja. Pra mim, só, não. Sobrou pra todo mundo...

Gozado, estava na maior animação quando cheguei, mas murchei. Sei lá...

abril 03, 2006

Primeiro de abril, april fools’ para os de língua inglesa. Passou. Nada aconteceu. Ainda bem. Meu ânimo estava mais para fool do que para april, primeiro ou último. Mas aqui quase ninguém liga mais para a data. O primeiro de abril virou outro dia no calendário brasileiro.

Quando eu era menina, a gente passava dias preparando a mentira que ia pregar no primeiro de abril. Nem sempre dava certo porque todo mundo sabia que o dia da mentira estava por perto e se preparava – pra pregar mentira e receber mentira. Será que é porque as pessoas só mentiam de vez em quando? Bom, eu podia entrar agora com aquele discurso de que naquele tempo as pessoas eram mais ingênuas, menos maliciosas, mais verdadeiras, tal e coisa e loisa. Não vou fazer isso.

Os costumes era outros, isso sim. A época era outra. As pessoas eram diferentes. Nem melhores, nem piores. Diferentes apenas. Não havia tanta TV, as novelas perseguidas vinham pelas ondas do rádio. A Internet era coisa impensável, ficção científica mesmo, daquelas que faziam as pessoas rirem – e olhe que os computadores já existiam, mas eram mastodontes que ocupavam salas inteiras e tinham capacidade de armazenamento igual a qualquer PC chinfrim dos dias de hoje.

Então, não havia tanta informação disponível circulando pelo mundo e enchendo olhos e cabeças. As agências de notícias internacionais mantinham umas poucas máquinas de teletipo nas cidades e havia ocasiões em que a notícia tinha de ser levada às pressas, na corrida mesmo, para as redações dos jornais. A TV se fazia com comerciais e programas ao vivo, o vídeo-tape apareceu bem depois. Transmissão de eventos ao vivo, nem pensar.

Hoje, a notícia da manhã já está ultrapassada à tarde. O jornal diário já é entregue com informações ultrapassadas, atropeladas por meios mais velozes. Mal se tem tempo para apreender uma coisa e já tem um complemento aparecendo. Nem bem se assimila uma novidade, já tem outra atropelando a gente. A vida ficou mais rápida e o slow motion só serve pra algumas coisas.

Dou razão ao poeta:
Amar o perdido deixa confundido este coração.
Nada pode o olvido contra o sem sentido apelo do Não.
As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão
Mas as coisas findas muito mais que lindas, essas ficarão.
(Memória/Drummond)
Só não sei onde ficarão...