
Arigatô, otô-san!
Minha idéia é abrir a matéria com um trecho de um texto que o Júlio escreveu pouco depois da morte do pai e publicada em junho de 1990 no Jornal Paulista. Na época, um dos editores do jornal era o William Kimura que nos contou que houve interesse de se publicar o texto traduzido no Japão. Não deu: as palavras, na tradução, perdiam a força. Eu, de minha parte, considero esta a homenagem mais bonita que poderia ser feita ao velho Isamu.
Como o recorte com a matéria já está completamente amarela e ameaça se desfazer, vou copiar pra deixar guardado aqui, neste blog. E para meus filhos lerem e guardarem – nem sei se eles já conhecem... E, um dia, contarem para os filhos a história desse homem tão especial para o mundo e muito querido para mim: meu pai.
Ele era quatro em um: Isamu, Kosugui, Jorge e Dita. Nasceu Isamu, num agosto dos anos 20, pertinho do Monte Fujii. Único filho homem duma prole de meia dúzia, imigrou para o Brasil na juventude. Aqui, virou Jorge para os vizinhos e amigos não tão chegados.
Antes, porém, foi Kosugui. Um nome “artístico”. Nos anos 30 e 40, aquele jovem de corpo miúdo não se afeiçoou muito ao trabalho na lavoura. Preferiu algo mais leve em termos de esforço físico e muito mais divertido para quem tinha um espírito sempre alegre. Ingressou num grupo mambembe que percorria o interior de São Paulo promovendo exibições de fitas japonesas. Eram todos jovens e cada um ganhou um apelido. Isamu virou Kosugui. Seu trabalho principal era dublagem e sonoplastia. Imitava gato, fazia barulho de chuva, era vendo. Chorava, ria.
E já estamos nos anos 50, 60, sem mais aquelas lembranças amargas dos anos de guerra. Nessa altura, homem maduro, Jorge tinha um dia por semana em que voltava a ser Kosugui, o brincalhão. Toda segunda-feira, sob o olhar aborrecido da esposa, lá ia ele pelos bares com os velhos amigos da velha profissão. Bebia, conversava, apostava nos cavalos. Uma vez ganhou um páreo fenomenal e não teve dúvidas: uma de suas filhas foi batizada com o nome da égua que lhe sustentou algumas daquelas noitadas com os amigos.
Parou com esses excessos, aos poucos, quando começaram a nascer os netos, época em vira “Ditiã”. O que significa avô,
Apesar de tudo Isamu/Jorge/Ditiã continuou o divertido Kosugui. Gostava de promover feijoadas (sim, feijoadas) em sua casa na Vila Carrão, para curtir o sorriso e as brincadeiras de amigos e parentes. Fazia um caldeirão enorme (no início, um latão mesmo) para todo mundo comer e ainda levar um pouquinho para casa. Nessas ocasiões, o quintal de sua casa era quebrado, para que ele pudesse preparar a feijoada ao ar livre, sobre uma fogueira feita diretamente na terra.
Nas épocas apropriadas, naqueles meses de vento, ele era também o fabricante de pipas para os meninos do bairro. Cobrava dos garotos apenas o preço do material, pois seu gosto era ter o que fazer, e, especialmente, olhar para o céu e ver seus pequenos papagaios voando.
Algumas correções se fazem necessárias: meu pai conheceu a moça Hatsue, minha mãe, quando ambos moravam em São Paulo e ele foi trabalhar na tinturaria de meu avô. E o grupo mambembe apresentava peças de teatro japonês - ele fazia sonosplatia, mas não no cinema...
Existem mais detalhes, mas o essencial está aí.Arigatô, otô-san!!!