maio 10, 2006

Jovem amiga indo pra Barcelona domingo. Inveja, inveja... E muita, muita saudade.

Disse pra ela, se tiver tempo e oportunidade, ir a Cadaquès. Sentar num daqueles botecos debruçados sobre o mar e bebericar una copa de viño del pais. Visitar a casa que Dali reformou para Gala em Port Llligat e de onde eles costumavam sair para escandaloso banhos de mar – nus! Se der tempo, sempre é bom comer um prato de frutos do mar – qualquer restaurante beira-mar serve coisas excelentes. O tempo é curto pra ela, as emergências são outras. Vai ver ela nem vai achar Cadaquès tão linda assim...

Mas uma coisa eu pedi, especialmente: que ela vá ao Passeig de La Reina e lá sente em um dos inúmeros quiosques, sob os guarda-sóis. E tome uma orchata de chufa pensando em mim. Essa é a maior homenagem que alguém pode fazer para mim quando estiver em Barcelona, cidade que pra mim é a melhor tradução para louca de pedra. Gaudí é a maior prova disso, mas de lá saiu também Juan Miro e sua alma infantil, tudo temperando a parte antiga da cidade, passagem grátis para o mundo medieval.

Poderia dizer pra ela dar uma paradinha no Paraiguas, comer um pa amb tomàquet – o garçon certamente vai dizer que isso não sustenta, que ela deveria comer alguma coisa mais forte. Mas ela pode pedir um jamón, também...

Conto que ela tenha ouvidos suficientemente sensíveis para captar a beleza da língua catalã, de fácil leitura e difícil entendimento. Disse pra ela, em linhas gerais, que é mais ou menos como se um espanhol lesse palavras em francês. Mas não é só isso. Aqui vai só um exemplo, tirado dos versos de Lluis Llach, um grande poeta catalão dos dias de hoje. Ele nasceu em Vèrges, aldeia do Alto Empordà, região que sofre com o tramontano – e fala justamente de sua cidade, que ele ama de paixão:

El meu país és tan petit
que quan el sol se’n va a dormir
mai no està prou segur d’haver-lo vist.
Diuen les velles sàvies
que és per això que torna.
Potser sí que exageren,
tant se val! és així com m’agrada a mi
i no en sabria dir res més.
(Pais Petit, Lluis Llach)

Dor de cotovelo é duro...

maio 08, 2006

975A, linha Ana Rosa – Vila Brasilândia. Eu pego todos os dias o que passa na Dr. Arnaldo entre 15h20 e 15h30. O Morro Grande também serve, mas está sempre cheio. Já começo a reconhecer as pessoas dentro do ônibus, o que é divertido. E o cobrador já me conhece. Sujeito gordo, bem-humorado, sempre de óculos escuros – até hoje, com o tempo meio nublado.

Outro dia ele disse que ficava constrangido de pedir para eu deixar minha sacola com ele. “Vejo a senhora sempre carregada”, explicou. Disse pra ele que não, que a sacola é grande, mas não é tão pesada. E eu já estou acostumada. Ele sempre brinca com as pessoas, sempre está conversando com alguém. Não esquece nunca de avisar as pessoas dos pontos solicitados. “Aqui é a Cardoso de Almeida! Quem pediu pra descer no primeiro ponto?” Ou: “A senhora que vai ao Fórum Criminal, é no próximo, viu?” Ficava impressionada com o tanto de gente que entra nos ônibus desinformada de onde tem de descer. Agora, por causa desse cobrador, não me avexo em pedir ajuda aos outros cobradores. E todos, sem exceção, me avisaram onde eu tinha de descer. Teve um até que pediu que eu o lembrasse “assim que o ônibus sair da avenida Tal, que aí já vai estar perto”, porque senão ele ia esquecer, que a memória dele era ruim. Ruim é a minha. A dele é ótima.

Hoje o ônibus demorou. Passou era quase 15h40. E veio lotado. O cobrador gordinho me explicou: “Teve um Morro Grande na frente que quebrou. Subiu uma porção de gente. E um pouco antes teve um atropelamento, atrasou todos os carros”. Solícito, avisou: “olha, se a senhora quiser sentar, as duas moças que estão no banco alto lá da direita vão descer na PUC. Elas até me pediram pra avisar, mas a senhora pode ir até lá e dizer pra elas que é daqui a três pontos. Aproveita e senta lá.”

Fiquei meio constrangida, mas acabei indo até as moças. Ele não ia avisar, já tinha me pedido pra fazer isso. Quando ia chegando perto das moças – aí já tinha passado um ponto e, portanto, faltavam dois -, ouvi uma delas comentar que o cobrador devia ter esquecido delas. Fiz questão de desmentir: “Vocês que vão à PUC? O cobrador me pediu pra avisar que está perto. Não é no próximo, é no seguinte.”

Elas agradeceram levantaram e desceram no ponto certo. Da porta, tornaram a agradecer ao cobrador. E eu vim sentada, tranqüilamente. Graças ao meu amigo cobrador.

Saber que tem gente legal no mundo me restaura a fé...