agosto 26, 2002

Todo dia ela faz tudo sempre igual. Mas com uma competência de dar inveja. O café vem forte certo, perfeito para receber o pingo de leite e ficar com aquele tom de marrom leitoso. Depois, ela encosta num canto da mesa e conta tudo o que aconteceu – com ela, é claro - desde a hora em que saí de casa, na tarde anterior, até aquele momento. Há dias em que as aventuras são saborosas e merecem um ouvido atento. Noutros, meio ouvido é o suficiente. Mas espero que ela não tenha notado isso.

Adelina – este é o nome dela – é assim. Está em casa já há 10 anos e se tornou a companheira perfeita. Faz bolos e sobremesas deliciosas e, o que é melhor, transforma o trivial em coisa rara. O feijão é imperdível e tem gente que vem de longe para uma refeição caseira, só por causa dele.

Uma das histórias mais malucas que a De – é assim que a chamamos – contou nos últimos dias foi o assalto no ônibus em que estava. Ia para casa e dois homens, um deles armado, levaram o dinheiro todo que o cobrador tinha. Não era muito. “Cobrador agora anda esperto, logo guarda o dinheiro no caixa pra ladrão não pegar”, ela me contou. Mas o ladrão não gostou e ameaçou o cobrador de morte. Acabou tudo bem, os dois desceram com o dinheiro que conseguiram e nem molestaram os passageiros. Mas a De ficou traumatizada – era o terceiro assalto, só neste ano. De lá pra cá, qualquer cidadão que suba no ônibus naquele ponto, pra ela, é suspeito. E na sexta-feira, quase que ela tem um ataque: sobe um rapaz, justo ‘naquele’ ponto, com um volume sob a camiseta, bem na altura da cintura. Na hora de passar pela roleta, ele levantou a camiseta – ela gelou. Mas era só a carteira que ele carregava na cintura. “E a barriguinha dele era interessante, De?” “Sei lá, nem olhei...”

Medo é mesmo uma coisa terrível, que não dá pra controlar. E não adianta racionalizar. Na hora H, não tem raciocínio que resista. Das emoções que podem devastar um ser humano, o medo é o pior. Devasta mesmo. E, às vezes, nem tem causa. Já vi marmanjo totalmente transtornado por causa de uma enorme e assustadora... barata. Um amigo desenvolveu uma técnica que não dá muito certo, mas pelo menos é engraçada. Ele fica olhando a barata – bem de longe, claro – e dizendo pra ela: “Você não existe. Você é fruto da minha imaginação doentia”. Repetidamente, como um mantra, até a barata se meter em algum bom buraco e sumir da vista dele. Este mesmo ser, cujo nome não conto pra não comprometê-lo, ficou pelo menos umas duas horas empoleirado na mesa da cozinha do apartamento onde morava até aparecer uma alma salvadora que matasse o apavorante invasor.

Depois que tudo passa, a gente morre de rir. Mas a graça só vem depois. Na hora, tudo o que a gente quer é ser engolido pela terra e sumir da vista daquilo que nos apavora. Pra minha sorte, meu medo maior é de cobras, o que me evita o risco de ter ataques no meio da rua, como acontece com quem tem pavor de baratas e ratos. Pelo menos em São Paulo não corro o risco de cruzar com uma delas nas ruas e e evito freqüentar locais próximos do Instituto Butantã. Minha área limite compreende pelo menos um quilômetro em torno do instituto – e com algumas ressalvas e cuidados. Por exemplo: tem de ser em dia sem vento, porque se uma folha, levada pelo vento, encostar acidentalmente na minha perna, pode esperar pelo vexame...

Agora, totalmente incompreensível é o fato de minha irmã, cujo pavor maior são as lagartixas – ela interrompeu a lua-de-mel por causa delas – dar de presente a meu filho nada mais, nada menos do que uma iguana, uma lagartixa verde e com mania de grandeza...

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