agosto 25, 2002

As frésias, na sala, espalham um perfume docemente discreto e enchem de cor o espaço perto da janela. São efêmeras, duram umas duas semanas - depois, só no ano que vem. Mas os vasos podem ser repostos, o que garante mais tempo de cor e perfume.Quem me conhece deve estranhar essa referência a perfume. Não gosto de cheiros fortes pela casa, na roupa, em pessoas. Perfume bom é uma vaga referência, alguma coisa gostosa que a gente não sabe bem de onde vem, mas não reclama se aparece e também não tem necessidade de sair procurando. A gente sente e pronto.

Claro que muita gente não concorda com isso. E está certo. O que seria dos fabricantes de perfumes se todo mundo pensasse como eu? Paris não seria Paris, capital do perfume. Eu passo mal quando enfrento aqueles corredores dos grand magasins com os mais variados cheiros, quase todos muito doces. E olhe que não sou diabética... Gozado, porque todo perfume forte é doce. Os cítricos não se destacam. Os de madeira, então, chegam à beira do insuportável. Quando entro num elevador por onde passou alguém ou junto com um "cheiroso", tenho de me conter pra não soltar um comentário maldoso do tipo "acho que hoje a água não deu pro banho". Puro preconceito, reconheço. Por isso não falo nada. Mas acho insuportável.

Uma amiguinha - amiguinha porque é muito jovem -, aliás, está indo para uma temporada de seis meses em Paris. Acho uma oportunidade única, que todo jovem deveria ter e enfrentar. Não precisa ser Paris, qualquer lugar no exterior serve. Viver fora de casa, sozinho, por conta própria (mesmo que o dinheiro venha dos pais), falando um outra língua e convivendo com outros costumes é, de fato, um experiência preciosa. É preciso ir fundo, mergulhar nos costumes, se misturar às pessoas, viver a cidade e, por tabela, o país. Pena que não tive a chance de fazer isso quando jovem.

Minha primeira viagem ao exterior foi para a Argentina - se é que Argentina pode ser chamada de exterior. Numa semana de carnaval, lá fui eu. Foi um deslumbre. Descobri que conseguia falar um espanhol razoável, mas não me atrevia a abrir a boca. Puro medo: vai que eu falasse alguma coisa errada? Essa história de que a gente tem de estudar muito pra falar bem uma língua sempre me atormentou. Com isso, consigo ler e entender algumas línguas mas... falar?!?! é um extremo sacrifício. Mesmo sabendo que, quase sempre, as pessoas de outros países acham maravilhoso que os estrangeiros tentem falar a língua deles. O Guga, por exemplo. O inglês dele é de arrepiar os cabelos de ruim, mas os americanos acham o sotaque dele charmoso. E o Matthew Shirts conta, muito divertido, sobre a festa de aniversário do filho do Mário Prata com a Marta Góes. O Mateus (agora ele já virou Mateus) passou horas conversando com a Marta, que depois comentou com o Prata sobre aquele amigo dele de Piracicaba: "ele ainda tem um sotaque forte, né?"

Então, falar outra língua é mais do que um desafio pra mim. É impossibilidade mesmo. Não adianta dizer que eu sei. Eu sei que sei. Mas na hora H, necas. Teve um gringo que baixou aqui em casa uma ocasião, o John - juro que o nome dele é mesmo John, não estou invetando -, com quem acabei fazendo amizade. Com ele eu conseguia conversar com alguma fluência, mas acho que é porque ele também mostrava interesse e se esforçava em entender. Grande sujeito, o John. Grande mesmo - gordo, cara redonda e meio vermelha, olhinhos azuis. A filhinha de um amigo, quando olhou pra cara dele, perguntou pro pai: "é o Papai-Noel?" Parecia mesmo. Por onde andará o John a estas alturas? Certamente navegando de barco pela costa oeste americana - o homem, quando o conheci, morava em Washington e tinha um barco para passeios em fins de semana. Depois de alguns anos, mudou-se para a Califórnia e levou o barco, por terra. Na última vez que o vi, já estava instalado na nova casa, com o barco e um gato.

Lembrar do John me remete à vez que o levei à Vai-Vai, minha escola do coração, embora eu tenha sumido da quadra. Era uma noite de ensaio e eu fiz questão de mostrar a ele a roupa que eu ia usar na avenida (ala das Baianas, não podia estar mais coberta), de apresentá-lo aos diretores da escola, de mostrar tudo. Fomos tomar uma cerveja no boteco em frente à quadra quando estoura uma briga monumental, bem ali ao lado da gente. Foi um corre-corre danado e eu tendo de explicar ao gringo que aquilo não era comum, não, mas acontecia de vez em quando, as pessoas se exaltavam, coisa e loisa. Isso tudo em inglês!

Mas mais engraçado ainda foi quando apareceram por lá os japoneses que aparecem todos os anos. Eles têm um esquema muito doido, os japoneses. Chegam sempre em torno da quarta-feira logo anterior ao carnaval. Já deixam sempre encomendadas as fantasias do ano seguinte, pagam tudo direitinho, compram um monte de instrumentos, desfilam e na quarta-feira de Cinzas já estão embarcando de volta. Como eles costumam sair em escolas de samba no Japão, vêm especialmente para se abastecer. Surdos e caixas vão para o Japão recheados de plumas e paetês. E eles ainda se divertem. Como cresci falando japonês com meu avô, sempre achei que conseguiria conversar com os japoneses. Ledo engano - só que percebi isso na prática, encarando a japonesada de frente. Ainda bem que tinha a Midori, uma japonesa que mora aqui, que toca tamborim na escola...

De qualquer forma, a cara de japonesa me deu destaque na escola e na ala das Baianas. Fui até matéria de jornal - do Notícias Populares, é verdade, sob a manchete "Dona Outsuka tem samba no pé". Me diverti muito, conheci muita gente interessante, encontrei personagens maravilhosas. Pensando bem, agora eles devem estar escolhendo o samba para o próximo carnaval. Se bobear, acho até que me inspiro e volto a desfilar...

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