setembro 20, 2005

De repente, eu estava andando pelo corredor e quase fui atropelada por um rapazinho. Foca, pensei. Foquinha mesmo. Temos agora, todos os anos, uma batelada deles, por causa do curso de jornalismo que o jornal dá a um grupo cuidadosamente selecionado. Então, a gente tropeça neles o tempo todo, por um bom tempo. E parecem cada vez mais novos.

São sérios, compenetrados. Deve pesar na cabeça deles o fato de estarem num veículo de circulação nacional, com o peso de mais de cem anos de existência. Tradição ainda fala alto pra essa molecada. Daqui a alguns anos, tudo isso terá passado. Mas, até lá, o respeito impera. Alguns ensaiam tímidos sorrisos pra gente, os veteranos.

Eu sempre sorrio pra eles. E, se vierem conversar, dois dedos de prosa não fazem mal a ninguém. Mas raramente eles conversam com a gente. Conversa mole, só entre eles.

Fico lembrando de quando comecei, também. Não sei se era tão séria e compenetrada como eles. Deveria ser. Todos focas são, porque eu seria diferente? Tinha a vantagem de ser novinha, mais ou menos bonita. Os veteranos não negavam dicas, toques, conselhos. Carne nova no pedaço sempre encontra assistência...

Mas tive uma crise séria, logo no começo. Achei que não tinha nascido pra isso, que devia mudar de rumo, procurar outra coisa pra fazer. Tudo porque um ex-namorado, que já trabalhava na área, disse que eu não servia pra coisa. Que me faltava a fibra, a insistência, o interesse. Jornalismo não é pra você, ele disse. Você faria melhor se fizesse outra coisa.

No começo, doeu. E veio a crise. Falei com meu chefe - naquela época estava na extinta Última Hora -, expliquei o que estava acontecendo. Sábio, ele me aconselhou a ficar afastada uns dias, uma semana. Depois, se quisesse voltar, meu lugar estaria ali. Não que fosse prejudicar alguém. Trabalhava de graça, à guisa de estágio. Meu chefe não poderia exigir nada, já que eu não recebia...

A semana de prazo passou e, com ela, minhas dúvidas. Mas agora já era outra coisa, era a vontade de mostrar para aquele cara que ele não tinha razão. Com que autoridade ele dizia que eu não seria para a profissão? Quem era ele? Quem ele pensava que era? Ia mostrar que era competente, sim, e muito! Voltei com força total e nunca mais entrei em crise.

Passei um bom tempo na vida agradecendo ao desaforo lançado por esse namorado. Não fosse isso, talvez não tivesse me esforçado tanto. Hoje, já não tenho tanta certeza de que foi uma boa, mas continuo firme no ofício - mas, agora, tudo o que quero é pendurar as chuteiras. Não dá mais para aposentar a Olivetti, que já foi demitida pelo computador. Na verdade, acho que já me esforcei tanto que cansei. É hora de colocar sangue novo no pedaço.

Por isso, sempre sorrio para os focas. Sei que eles terão de enfrentar muita coisa ruim e chata e não precisam de gente olhando feio. Alguns aparentam uma segurança irritante - em poucos casos, não é aparência, mas a vida se encarrega de por um prefixo 'in' naquela segurança toda. Olho pra eles e fico imaginando quem vai se sobressair, quem vai virar um nome no jornalismo. A maioria nem fica e tem de conviver com a sensação de ter fracassado num jornal grande - que bobagem! Outros embarcam em aventuras mais ao gosto de cada um, em publicações específicas, quase anônimas para o grande público. E nem se incomodam. E tem os que simplesmente caem no esquecimento...

É um desafio para eles. Para os veteranos, é sangue novo para lubrificar engrenagens antigas. Para mim, são sonhos que chegam, necessários para alimentar o desgaste da rotina. Sonhos novos, idéias novas.

Pena que acabem logo...

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