julho 20, 2005

Salvo Montalbano está envelhecendo. Tem dores agudas no peito - claro que continua fumando! -, não consegue mais nadar tudo o que nadava e se perde em reminiscências. Não, quem se perde em reminiscências sou eu mesma. Ele tem dores no peito e acha que está demorando mais para enxergar coisas que, segundo ele mesmo, enxergaria antes de imediato.

Será que Andrea Camilleri está querendo matar o Salvo? E o que será de nós, pobres mortais que perseguimos esse detetive italiano tão especial? E foram tão poucos livros... Bom, não vamos por o carro na frente dos bois. Há que se esperar o próximo livro - vai que tudo não passou de uma impressão errada, que o homem está bem e forte e até vai casar com a Lívia...

Bom, pra quem não entendeu, estou falando de um livro, Guinada da Vida. O autor, Andrea Camilleri, é um achado. Nasceu em 1925, mas acho que só ficou mais conhecido - no Brasil, pelo menos - de uns 10 anos pra cá, se tanto. Graças a Salvo Montalbano. Até então, 1990, Camilleri só era conhecido por alguns poucos. A Forma da Água, a primeira aventura de Montalbano, colocou a cidadezinha siciliana de Vigàta, onde Montalbano é comissário, no mapa do mundo.

Vigàta não existe, mas há quem jure que já esteve lá. Se esse alguém esteve na Sicília, então certamente conhece Vigàta. Ali Camilleri colocou todas as idiosincrasias de uma região única no mundo. E, pela mão de Montalbano, tomamos conhecimento de como funciona aquele pedaço da bota, misterioso para a maioria das pessoas. De quebra, vai saboreando pratos maravilhosos (pena que não venham com as receitas), proferindo frases retiradas de autores clássicos e resolvendo crimes. Não por acaso, o autor preferido de Montalbano é o espanhol de Barcelona Manuel Vázquez Montalban, também autor de livros policiais, que criou o investigador Carvalho. Montalban, Montalbano - coincidência? Acho que não.

Coincidência, de verdade, é que a empregada de Montalbano se chama Adelina. A minha também se chama Adelina. Ambas têm uma mão especial para a cozinha. Ambas resmungam quando o trabalho pesa um pouco mais. Ambas colocam um parente para substitui-las em caso de precisar faltar ou em férias. E Camilleri nem conhece a minha Adelina, que nasceu em Rio Claro e não tem a menor idéia de onde fica a Sicília, embora seja descendente de italianos.

Mas torço para Camilleri não matar Montalbano. Ainda não estou preparada para isso. Sei que o mundo está terrível, que não dá pra viver engolindo tantos sapos todos os dias e que ele, Camilleri, já está com 80 anos. Mas rezo, torço, suplico, anseio para que tudo se mantenha. Pelo menos em Vigàta.

1 comentário:

Justa disse...

Só encontrei o seu post hoje e por acaso mas não queria deixar de dizer que também eu torço para que Camilleri ainda viva muitos e bons anos. Para que Salvo, com quem partilho o prazer absoluto da comida, possa continuar a ser visita cá da casa. Adoro Vígata e as suas idiossincracias; a forma como Montalbano é afectado pelo clima; o mal humor e a irrascibilidade; a generosidade desarmante.

Obrigada por seu texto entusiasmado.