setembro 23, 2002

Estava na abertura de uma matéria do New York Times: “Não se preocupe se tiver a incômoda sensação de estar sendo esmagado. Você não está sozinho.”

Ufa, que alívio! Porque ser esmagado realmente é uma sensação boa de ser dividida com o máximo possível de pessoas. E é um baita consolo saber que tem mais gente sentindo a mesma coisa. Dentre as trocentas coisas solidárias que circulam por aí, eis que aparece mais uma: a sensação de esmagamento.

As formigas, com certeza, devem conhecer muito bem essa sensação, embora não existam muitas vivas para dar um depoimento e nem muita gente com domínio suficiente de formiguês pra poder entrevistá-las...

De qualquer forma, é bom explicar que a matéria em questão se referia ao perigo de guerra que anda atormentando a vida dos americanos, por causa dessa figura magnífica que eles escolheram para presidente. Nada como uma guerrinha pra esconder um monte de podres e desviar a atenção de outras coisas, né?

A sensação de esmagamento, pra nós, não é tão específica. Quer dizer: a gente pode até escolher o que vai nos esmagar, o que nos deixa certamente bem mais confortáveis do que os americanos. Assim, podemos até procurar quem vai ser esmagado da mesma forma, pra não ter a sensação de esmagamento solitário.

Já percebeu como basta trocar uma letrinha de uma palavra pra mudar todo o sentido? O solidário não é um solitário, mas pode acabar sozinho num cochilo do datilógrafo...

Mudei de pato a ganso, mas isso não tem a menor importância, porque o esmagamento solidário já não rendia mais suco. Essa coisa de palavra sempre me deixou intrigada e fascinada. E quando se trata de outra língua, então, fica mais divertido ainda.

Veja o espanhol, por exemplo. Todo mundo aqui jura de é igual ao português, mas não é bem assim. “Dos presuntos integrantes...” não é trecho de receita ou de descrição de um prato saboroso, embora um distraído possa acreditar que seja. E “el flamante presidente” não se refere a um presidente pegando fogo, nem a um super-herói que distribui rajadas de fogo e que ocupa algum cargo de presidente... E tem aquela frase lapidar que corre pelas redações brasileiras, de que o Peru dos americanos é a Turquia...

Existem palavras na língua portuguesa que parecem ter outro significado. Fronha, se alguém não sabe do que se trata, parece mais um palavrão do que um inocente e útil pedaço de pano. E uma coisa socialmente abominada como incesto pode ser interpretada como o ato de guardar alguma coisa no cesto...

Como alguém pode confessar, sem ficar envergonhado, que sofre de ardume em alguma parte do corpo? Ou que foi vítima de uma picadura de mosquito? Fora a coceira, e embora a construção esteja correta em ambos os casos, sempre vai ficar aquela incômoda sensação de ter falado alguma besteira sem tamanho...

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