setembro 22, 2002

Roupa suja é mesmo difícil. Às vezes tem-se muita, mas não é bom tocar no assunto. Particularmente, não gosto de ficar remoendo coisas que já passaram. Claro que ficam algumas mágoas, mas, na medida do possível, deixo tudo muito quieto, escondido num arquivo bem escondido do meu hd pessoal. Com o passar do tempo, a memória vai ficando muito cheia e o jeito é esvaziar arquivos pra ter mais espaço. Nessa hora, é bom esvaziar esse arquivo escondido. E colocar tudo no passado, sem voltar ao assunto.

Tenho a meu favor o fato de nunca querer ir muito fundo nas coisas. As coisas são como são - isso me basta. Por isso, talvez, eu não seja aquela repórter maravilhosa que uma época quis ser. Sempre faltava uma informação, alguma coisa pra compor o quadro completo da pauta. Não gosto de me meter em escândalos, não tenho a cara de pau necessária para perguntar coisas que sei que vão acabar em alguma sujeira. Isso, na vida pessoal, me foi muito útil muitas vezes. Na profissional, sempre atrapalhou.

Costumo me chamar de anta porque reconheço que sou. Sem nada que desabone os bichinhos - por sinal, são até bonitinhos -, sou daquelas pessoas crédulas, que sempre acham que os outros não têm maldade. Principalmente quando se refere aos meus contatos. Profissionalmente, isso enterra qualquer repórter. Fontes são muito boas para diversas coisas, mas é bom ter sempre em mente que elas também têm interesse em divulgar uma coisinha ou outra. Pessoalmente, às vezes dá certo. Quando não dá, fica aquela sensação horrível de "me fizeram de palhaço". Já experimentei essa sensação várias vezes e sei que provavelmente vou ter outras tantas. Não fico feliz em constatar isso. Mas aceito. Cada um é cada um, embora uns sejam mais do que os outros...

Pior é quando a gente mesma se faz de palhaça. Claro que só percebe bem depois, quando vê que passou um tempo se enganando. Aí o tombo é mais dolorido. Porque não tem ninguém pra por a culpa. Tem de assumir mesmo e se olhar no espelho com toda resignação que puder reunir. Desses choques, acho, a gente não se recupera nunca. Esconde, bem escondidinho, mas de vez em quando ele resolve dar um salto pra mostrar que ainda está ali. Fica preso no hd, não dá pra jogar fora.

Além de anta, acho que sou meio banana. Isso tem conserto, mas demora. Exige que se fique muito alerta para as coisas. E não sei se vou ter tempo pra me orgulhar de deixar de ser. Além do mais, bananice combina com uma certa idade. Velhinhas não têm de ser espertas. Podem ser inteligentes, divertidas, interessantes. Mas as pessoas sempre contam com uma certa bisonhice por parte delas - e já têm até aquele olhar de compaixão tipo "coitada, não tem mais idade pra perceber certas coisas..." Conto tanto com isso que já estou assumindo publicamente minha bananice.

Mas a tragédia, mesmo, é se impor um papel pela vida inteira e perceber que, mesmo que se queira, não dá mais pra sair dele. Aí fica uma briga interna das boas, dignas de entrar para um daqueles ultimate fighting da televisão. Não corre sangue, não à vista. Um lado quer mudar, o outro acha que não dá mais pra fazer isso e é pura perda de tempo tentar. E é uma briga do eu sozinho. Porque as outras pessoas ficam com cara de ponto de interrogação quando a gente não reage como elas esperavam. E dão bronca e brigam e protestam. Ninguém aceita.

E também, mudar pra quê? A estas alturas da vida, nem vale mais a pena. Mudar exige fôlego e muito energia... Acho, porém, que só a vontade de mudar já deixa a gente diferente. E, mesmo que algum tempo depois, se mude de idéia e se queira voltar atrás, não adianta mais. A bola já está rolando e o jogo está no meio. Não dá pra voltar atrás. Então, o jeito é sair catando o que ficou pra construir outra figura, o mais próximo possível daquilo que existia, mas não mais aquilo.

Em alguma aula do colegial - nem lembro mais em qual matéria - um professor tentava mostrar para a gente que um objeto já não é mais o mesmo um minuto depois de colocado num determinado lugar porque já tinha sofrido, nesse curto período, algum tipo de interferência do ambiente e da atmosfera. Na época, não entendi direito. Parecia mais aqueles delírios malucos de um professor totalmente aloprado. Hoje sei que ele estava coberto de razão. E só precisei recorrer à teoria do caos, não a da física, mas a da minha cabeça...

Se alguém entendeu, por favor, me explique. Porque eu mesma não entendi nada.

Por falar em tempo, acabo de olhar para a data e para o relógio: há 27 anos, dez minutos atrás, meu filho nascia...

Sem comentários: