setembro 18, 2002

Ouvi umas histórias muito malucas de ontem para hoje, de gente que parece normal e fica, por algum bom motivo (bom só pra elas, claro), obcecada por alguma coisa ou pessoa. É verdade que de perto ninguém é normal, mas também não precisa exagerar. Ninguém chegou tão perto assim pra provocar a onça – e a pessoa-objeto de obsessão nem tinha vara pra provocar o bicho...

Coisa mais maluca mesmo. Coisa de maluco. No meu ofício a gente demora, mas aprende que o branco nunca é totalmente branco e o preto sempre contém nuances de cinza. Quer dizer, eu aprendi. Não sei se os coleguinhas todos já aprenderam. A gente lida com seres humanos e coisas que os afetam, de uma forma ou de outra, mais ou menos. E bem certo estava o cara que disse que gente não é ciência exata...

Isso tudo tem muito a ver com aquela roupa suja que se guarda por anos a fio e, depois, resolve lavar de uma vez só. A sujeira entranha e às vezes não sai, se se demora muito para limpar. Mancha velha é pior: não há tira-mancha ou alvejante que resolva. Fica mais clarinha – às vezes, nem se percebe. Mas está lá e fica. Compete a cada um usar a roupa suja mesmo ou então jogar fora. Quando se trata de roupa mesmo, joga-se fora, compra-se outra. As estações mudam, a moda muda e a gente se adapta. Mas quando a roupa é metafórica, danou-se. Não há moda nem estação. É aquilo e pronto.

Essa roupa suja, diz um advogado amigo, é assustadora. Quando se tira do armário (ou de onde sei lá se guarda esse tipo de coisa), surgem os bichos mais estranhos. Pior que UTI onde, segundo um médico que cuidou da minha mãe, circulam bichos que a gente nem imagina que existam. São mágoas que vão se acumulando e roendo por dentro, igual a um rato que todo mundo tem e que alimenta às vezes sem nem perceber. Coisa perigosa...

Mas tem jeito. Para algumas pessoas, pode ser muito difícil. Para outras, impossível até. Pra essas, recomendo conviver com o rato interno da melhor forma, procurando matá-lo de inanição, sem dar alimento pra ele sobreviver. Mas a melhor forma, mesmo, é se entender. Conversar. Por pra fora. Vomitar o rato faz com que ele morra mais depressa. Ele não consegue viver à luz do dia. Isso é difícil. Porque trata-se de um rato e ninguém gosta de ratos, sejam eles de verdade ou de mentira. Acho que um dos poucos simpáticos é o Jerry e mesmo assim fico muito brava com as coisas que ele apronta com o pobre do Tom. E tem os mais moderninhos, Toppo Giggio e o Stuart Little, que já virou garoto-propaganda de banco. Mas esses não contam.

Mudando de pato a ganso, mas ainda mais ou menos dentro de assunto, fiquei pensando hoje no prazer da comida. Os sete pecados capitais que me perdoem, mas gula é um mesmo um prazer. Não a gula dos obesos, mas aquela que reúne pessoas em volta de uma mesa pelo prazer de uma boa comida, regada com boa bebida, bom papo, boa música de fundo. Comer é uma celebração e não estou falando de refeições comemorativas. Essas são chatas, mesmo que a comida seja boa.

Falo de encontros, de trocas, de confraternização. Acho que por isso não suporto refeições que terminam em discussões. Pode ser uma rima mas, nisso concordo com o poeta, não é uma solução. O ato de comer exige reverência, clima tranqüilo de cordialidade. Até mesmo o silêncio pode ser uma forma de comunicação expressiva nesse momento. Não há nada para falar, o melhor é ficar quieto, só curtindo a comida. Que também não precisa ser especial.

Aliás, a comida pode se transformar em coisa especial. Existem pratos que parecem ter sido imaginados para encontros. Fondue, por exemplo. É uma festa, sempre, mesmo que seja só para duas pessoas. Tem coisa mais divertida do que molhar o pão no queijo derretido ou a carne na gordura? Pode-se fazer isso na cozinha, quando se está preparando um prato, mas nunca vai ter o mesmo sabor da reunião em torno de uma panela.

Lembro da primeira vez que meus filhos comeram fondue. Foi em Gramado, num restaurantezinho que tinha tudo para ser um lugar de casais, romântico, à luz de velas. Se bem me lembro, minha mais velha não devia ter 10 anos ainda. Eles adoraram cada momento. Acho que tinha a ver com o lugar, sim, mas também ao fato de eles estarem preparando a própria comida, fritando a carne antes de juntá-la ao molho. E as provocações pra ver quem conseguia colocar mais carne no espeto, quem conseguia deixar a carne no ponto primeiro, as descobertas dos molhos, dos adocicados aos mais azedos. Preparei outros fondues em casa e sempre foi uma festa. Mas nunca mais foi igual àquela vez. A primeira vez a gente nunca esquece, mesmo.

Outra lembrança bonita que tenho, relacionada à comida, foi a de ver o prazer no rosto de um dos meus filhos na primeira refeição que ele fez em um avião. Voltávamos de Belo Horizonte e ele, sentadinho na poltrona, baixou a mesinha para receber a bandeja de comida. Num dos pratinhos tinha tutu de feijão. Ele experimentou um pouquinho, os olhinhos dele brilharam de contentamento. Acho que ele nunca mais comeu tutu com tanto prazer. Era uma celebração, mas ele não sabia. Um conjunto de coisas transformou aquele tutu numa coisa muito especial. Eu sei disso porque comi a mesma coisa. O tutu, pra mim, não tinha nada de especial.

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